Entre Lobos e Serpentes Episódio 6 – O protetor da floresta.

Tang
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Perto do pântano, próximo ao Rio das Águas Claras, havia uma série de caçadas cruéis aos animais que viviam naquela região. 

Os caçadores eram, em grande maioria, homens de baixa renda, que tinham de levar sustento para suas famílias. Eram tempos difíceis, e a luta pelo pão de cada dia estava cada vez mais difícil.

Dessa forma, eles não podiam demostrar a menor empatia pelos animais abatidos. A prioridade deles era matar a fome de seus semelhantes, depois é que vinha a moral.

Os pássaros eram os que mais sofriam com as caçadas. Eles eram mais frágeis, e naturalmente mais belos que outros animais de sua espécie. Seja pelo seu belo piar, ou pelas suas lindas penas coloridas, essas aves eram o alvo perfeito para caçadores; fáceis de pegar e bons para fazer negócio, sendo que algumas espécies podiam ser vendidas por uma pequena fortuna, dependendo do comprador.

Esses homens abrigavam-se no centro da floresta, ali havia uma cabana de madeira, repleta armadilhas e gaiolas feitas de metal. Dentro delas havia vários pássaros, presos, piando em desespero, batendo as asas inutilmente querendo voar. Eles foram caçados durante aquela semana por três caçadores, que estavam trabalhando naquela área, e naquele momento se preparavam para fazer mais uma de suas caçadas. As armadilhas já estavam montadas, agora estavam apenas selecionando o material, prontos para o próximo abate.

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Os pássaros são seres sagrados, nascidos do coração da floresta. E quando um deles é caçado, a floresta o escuta, seu canto de socorro sobe pelas árvores, é carregado pelos ventos e levado até os ouvidos dos protetores; um dos antigos; aqueles que foram escolhidos para defender os filhos da mãe terra das garras do homem.

A natureza procurou por eles, mas eles estavam ocupados; Saci estava perdido em suas memórias, incapaz de ajudar quem quer que seja; Caipora estava ocupada, cuidando de alguns lenhadores, muito distante daquela parte da floresta. Havia apenas um disponível, que dormia, jazia em seu lar, num sono profundo e repleto de sonhos. 

Ele tinha olhos vermelhos e cabelos de fogo. Seus pés eram virados para trás, dessa forma, quando ele corria, suas pegadas eram contrárias e estranhamente davam a impressão dele estar correndo para o lado oposto, sendo assim, ele jamais poderia ser detectado por caçadores. Sua pele era tão branca quanto a lua, mas seu cabelo ruivo, e suas bochechas coradas, davam cor e brilho para seu rosto. 

Ele é chamado Curupira, mas esse não é seu nome de batismo, Curupira havia sido um belo rapaz, quando era homem, mas hoje não havia nada de humano nele, não mais...

Ele escutou atentamente o que a floresta estava tentando lhe dizer, e entendeu que sua função é proteger todos os animais que vivem na floresta, todos eles. Mas os pássaros principalmente, porque os pássaros eram seres puramente inocentes, frágeis, angelicais. Talvez, a criatura pássaro seja o mais próximo que temos dos anjos que habitam os céus.

E o homem tem a pachorra de prender essa criatura divina numa pequena gaiola de madeira, para fazer comércio, vendiam os pássaros, e outros homens os compravam, só pelo prazer de ouvir o canto dos passarinhos.

E os pássaros estavam cantando, em algum lugar da floresta, presos naquela cabana, pedindo socorro, clamando por ajuda. Desejando desesperadamente bater suas asas e voar em liberdade.

E o Curupira os escutou.

O cantar dos pássaros o despertou de seu sono profundo. E aquele canto de lamentação o enfureceu, ele libertará todos eles, porque esse é o seu trabalho. Ele é o protetor.

Curupira se levantou, ainda um pouco desorientado. Não pretendia acordar tão cedo, mas foi necessário. Os pássaros continuavam a pedir por socorro, e ele tinha que salva-los antes que os caçadores os levassem para fora da floresta.

O Curupira não poderia protegê-los se eles fossem levados para a cidade grande, pois ele não pode sair dos limites da floresta. Seu poder só funciona ali, fora do território da mata ele é um ninguém.

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Um dos três caçadores desejou que os pássaros estivessem mortos. Eles estavam gritando muito, aquele canto ritmado que em outras ocasiões era sempre tão belo, mas que naquele momento estava insuportável. 

Mas ele estava tranquilo, pois teria de aguentar só mais aquele dia. Mais tarde fariam a última caçada, na esperança de encontrar dois papagaios-de-peito-roxo (esses eram os que mais vendiam na cidade), e depois estariam liberados para voltar para casa. 

Ele olhou em volta, com pesar, observou que alguns periquitos estavam machucando as asas nas grades da gaiola, tentando sair em liberdade. Ele teve pena, sentia culpa, mas também pensou em sua família, e o sentimento de culpa se extinguiu, ele estava precisando muito do dinheiro.

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Curupira se virou rapidamente, em direção ao manguezal, seguindo o grito dos pássaros, correndo tão rápido quanto o vento. Seus cabelos voavam para trás, e uma faísca de fogo acendeu em cada um dos fios ruivos de sua cabeça. Ele estava incendiando, e a floresta incendiava junto com ele. Mas o fogo não a queimava, pelo contrário, o fogo dele alimentava a floresta, e a floresta o alimentava de volta. Os dois corriam em perfeita harmonia.

E logo Curupira chegaria ao seu destino.

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Na cabana dos caçadores, os pássaros que há pouco tempo atrás estavam gritando, repentinamente ficaram em silêncio, quietos nas gaiolas. Todos eles ficaram de pé nos poleiros, observando os limites da floresta. Eles sabiam que algo importante estava para acontecer —  alguém importante estava para chegar.

Um dos caçadores se aproximou das gaiolas, estranhando o fato de todos os pássaros terem se calado em simultâneo, mas dando graças a Deus pelo silêncio repentino.

— Ora essa! Finalmente vocês calaram o bico. — Ele disse, dando uma risadinha e um peteleco numa das gaiolas, derrubando o Bem-te-vi de seu poleiro.

O outro caçador estava selecionando algumas flechas, sentado atrás da cabana (essas eram usadas caso aparecesse algum animal perigoso) foi quando ele olhou para o centro da floresta e avistou uma chama vermelho-púrpura, era fogo, que expandia em alta velocidade na sua direção. 

Ele se levantou rapidamente e só teve tempo de gritar uma coisa — É FOGO! — Foi quando uma profusão de chamas subiram das árvores, em forma de flechas indígenas, e o alvejaram com toda velocidade. Várias flechas o acertaram em cheio, duas na cabeça, uma na garganta, e três no peito, sendo uma delas no coração. O caçador morreu em poucos segundos, mas esses lhe pareceram uma eternidade, porque ele estava em chamas de dentro pra fora.

Várias outras flechas de fogo acertaram a parede da cabana, que logo estava em chamas. Os pássaros gritavam novamente, cantavam como nunca, mas dessa vez não era grito de desespero, e sim de alegria e comemoração. O protetor finalmente chegou para salva-los de sua prisão, e logo eles estariam em liberdade.

O caçador que estava na cabana percebeu o que estava acontecendo, mas não entendeu nada. De início ele avistou o incêndio e só teve tempo de pensar que toda a caça da semana estava perdida — Tanto trabalho, e agora tudo está perdido... o que vou dizer pra minha esposa? — De repente, ele avistou um homem correndo a toda velocidade em sua direção, os pés eram virados para trás, os cabelos dele eram feitos de fogo e ele segurava uma lança enorme de caça numa das mãos, também feita de fogo.

Curupira gritou de ódio, um dialeto indígena, antigo, que o caçador não entendeu. Ele parou a meio metro do caçador e arremessou a lança com toda força na direção do homem. Ele o acertou em cheio na barriga, e a lança o empalou.

Nesse momento os pássaros piaram ainda mais alto. Todos eles iniciaram um canto lírico, magistral.

Restava apenas um dos malditos caçadores. Esse havia presenciado tudo de longe e pensou logo que aquilo não poderia ser humano, era um demônio! Se quisesse sobreviver teria que atacar Curupira pelas costas.

O homem deu um tiro com sua espingarda na coluna do protetor.

Mas Curupira não se abateu. Virou-se na direção do caçador e soltou uma chama enorme, que exalava de sua boca, de seu cabelo, e de outras partes do seu corpo. Essa chama não queimava a floresta e nem pássaros, mas causava muita dor aos homens, ela os incendiava.

E a chama atingiu o caçador com toda força, o carbonizando na mesma hora. A espingarda que ele usou para atirar no Curupira rapidamente foi ficando extremamente quente, até que explodiu, e partes do homem voaram por toda parte. 

Todos os homens queimaram. O cheiro era de carne na brasa, era doce e agradável, parecida com a do porco, aquele odor dominou o ar em volta da cabana. Nesse momento Curupira sentiu seu estômago despertar. Ele percebeu que não comia nada havia muito tempo, estava faminto. 

Os homens estavam mortos, mas ainda não acabou seu serviço.

Ele rodopiou nos próprios pés, manipulando os ventos da floresta. Mandando uma grande rajada na direção dos pássaros, o vento era forte e Curupira o podia manipular como bem o quisesse. Ele afastou as chamas da cabana e abriu todos os trincos, de todas as gaiolas.

Os pássaros voaram alegres para o centro da floresta. Cantando uma canção de agradecimento que o Curupira podia entender perfeitamente. 

Ele levantou a mão, acenando levemente para os pássaros, se despedindo. Seu trabalho ali terminou. Os pássaros estavam livres. E os homens estavam mortos.

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Curupira virou na direção do manguezal, correndo novamente a toda velocidade. Se cabelo ainda estava em chamas, e por onde ele passava a floresta incendiava com ele, mas ela não queimava, ele a estava alimentando, e ela o estava fortalecendo.

Ele corria na direção de seu Habitat, no coração da floresta, o lugar onde poderia descansar novamente. Talvez dessa vez ele consiga dormir mais que uma década, talvez duas, mas certamente acordaria se por acaso ouvir algum pássaro piando por socorro. Ele acordaria se por acaso algum caçador ter a Brilhante ideia de fazer mal aos animais daquela região. Os animais são filhos da floresta, e ele é o protetor.

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