É com grande alegria que finalizo hoje minha reprise pessoal de AFDQ, essa que foi uma grande novela de sua época, com certeza a melhor obra de sua autora e, talvez com algum exagero (ou não) compete facilmente como a melhor produção deste milênio. Gloria Perez merece todos os méritos possíveis, pois não apenas nos apresentou um trabalho impecável por longos sete meses de capítulos, como também os escreveu inteiramente sozinha, sem a ajuda de colaboradores. Um trabalho soberbo e muito bem executado. Resultou em sua obra-prima, de uma extensa carreira de grandes sucessos.
Foi uma experiência especial de alguém que já conhecia esse trabalho aos pedaços, pois já havia assistido boa parte de seus capítulos, além de ler bastante sobre seu conteúdo em fóruns de noveleiros, porém, nunca finalizara por inteiro seus 173 capítulos, coisa que sempre me incomodou muito enquanto noveleiro, pois trata-se de uma novela sem igual. Que digo com propriedade, talvez, nos próximos anos, não tenhamos outra que chegue a seu nível de qualidade textual e produção, sem falar do elenco impecável. Foi um fenômeno que acontece uma vez a cada década, ou milênio, uma novela quaseee perfeita em sua essência.
Trio de protagonistas e seus ''Quereres'':
Ritinha: A sereia fez a abertura da novela nos apresentando seus desmandos com seus dois ''amores'', Ruy e Zeca, que através de uma antiga profecia indígena tiveram seus destinos traçados por uma espécie de ''maldição'': 'o que vier das águas, vai uni-los novamente'. O querer de Ritinha tem muito a ver com sua liberdade e o grande amor que sente por si mesma, a impedindo de criar laços afetivos com quem quer que seja, fazendo com que ela prejudique e muito a vida de todos que cruzam seu caminho. Homens, principalmente. Casou-se com Zeca, mas fugiu com Ruy no meio da cerimônia. E então cumpriu-se parte da profecia, pois os destinos dos dois rapazes estariam eternamente conectados, através de uma gravidez, cuja paternidade será posta em cheque.
Apesar de não ser minha protagonista favorita, Ritinha tem uma coisa que gosto muito e acredito ser algo complicado de desenvolver em uma novela, a qual é sua capacidade de transitar entre o bem e o mal, em uma linha tênue que a qualquer nova atitude poderia ser quebrada. Ela fica a novela inteira prejudicando todos a sua volta e não dando a mínima para nada, pois não tem senso de moralidade nenhum. Ao gostar dela mesma, ela passou a não gostar de mais ninguém; e a gostar de todos na mesma intensidade.
Fabiana: De longe a personagem que mais teve minha antipatia ao longo desses capítulos. Não tive pena quando seu marido foi preso e não tive pena quando ela percebeu que renunciou a uma vida de sucesso profissional e amoroso para ajudar um traficante que nem de longe merecia seus sacrifícios. Falta de aviso não foi.
Acredito que ela seja a verdadeira protagonista da novela, tendo seu destaque camuflado por receio de que sua história controvérsia tivesse a rejeição do grande público. Acabou dividindo os holofotes com outras duas mulheres. Porém, após ter um início de quase figuração de luxo, aparecendo muito pouco, Fabiana roubou a novela para si e tornou-se o centro das atenções; ao subir no morro, após a fuga de Rubinho, ao colocar fogo no restaurante, ao surrar inúmeras vezes a amante de seu marido. Só se falava em seu nome durante a exibição original e AFDQ virou um enorme sucesso. A contragosto, mesmo não sendo o maior fã de Bibi Perigosa, uma coisa tenho que admitir, sua jornada foi um sucesso e merece todos os aplausos.
Jeiza: Eu poderia elencar as inúmeras qualidades que tem essa personagem, mas seria o mesmo que jogar palavras ao vento. Todos já estão carecas de saber que ela foi e sempre será minha favorita. Admiro demais sua força e garra quando está vestida com aquela farda de policial e quando se referem a ela como ''Major Jeiza'', em uma novela cheia de personagens com desvios de caráter isso impõe uma moral absurda. Acho que pode ser coisa da minha cabeça, mas eu penso exatamente assim.
Responsável pelo melhor par românico de todos e também pelos melhores embates ao longo da novela, Jeiza deu o nome em todas as situações. Uma curiosidade interessante é que ela contrapõe as outras duas protagonistas, sendo a grande rival que iria brigar com unhas e dentes com Bibi Perigosa, ou então aquela que roubaria um dos ''amores'' de Ritinha, seu senso de moralidade era alto demais e acabava por entrar em conflito com outros personagens que desconheciam esse traço de personalidade. Mas, enquanto todos a sua volta oscilavam em suas próprias características, Jeiza se manteve autentica em sua própria intensidade do início ao fim. Ajudou quem tinha que ajudar e derrubou quem tinha que derrubar.
Diversidade de gênero e conflitos sociais:
Um grande acerto da autora foi a tentativa mais do que acertada de explicar para o grande público, leigo, que existe diferença, sim, entre transexuais e travestis, uma vez que existe essa dúvida entre pessoas que não são entendidas das causas LGBT. De um lado tínhamos Ivana, uma garota que não aceitava seu próprio corpo e o enxergava como uma verdadeira prisão, da qual ela não poderia escapar jamais. Além de sofrer com as pressões estéticas de sua mãe, Joyce, que é viciada em moda e vive projetando seus sonhos e frustrações na própria filha. O problema é que Ivana não tem conhecimento do universo trans, e nem sequer pensa na possibilidade de ser um menino trans, o que faz com que o público vivencie essa confusão e descubra sua verdadeira identidade junto dela. Criando uma conexão de aceitação jamais vista antes.
Por outro lado, tínhamos Nonato, que durante o dia trabalha como motorista para se sustentar e pagar suas contas e durante a noite se apresenta em uma casa de shows como Eliz Miranda, uma travesti transformista que sonha em fazer sucesso e viver de sua arte, nos palcos; foi explicado ao longo dos capítulos a diferença entre esses dois personagens, Ivana (trans) não se identifica com seu corpo feminino e se considera um homem, logo, fará de tudo para se parecer o mais masculinizada possível. Já Eliz (travesti), apesar de se vestir e portar-se como tal, não se considera mulher, e sim, apenas se apresenta artisticamente para expor a mulher que existe em sua cabeça. Mas gosta de seu corpo masculino e não o rejeita.
* Também vemos Abigail, uma mulher gorda que nem pensa em perder peso, apesar da insistência de todos a sua volta. Ela se ama e se adora, é muito vaidosa e sonha em ser modelo ''plus size''.
* Vemos a psicopatia ser abordada sutilmente através de Irene, agrande vilã da novela. Apesar de estar acostumada a dar golpes em vários homens, ela se vê apaixonada obsessivamente por Eugênio, e parte do seu plano começa a dar terrivelmente errado.
* Vemos uma bela homenagem a todos os policiais através de Jeiza, que perdeu um grande amigo e parceiro de trabalho em um assalto. Ele foi infelizmente assassinado apenas por ser policial; paralelo a isso, veremos também a abordagem contra o tráfico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro, que também funciona como abordagem social.
* O vício em jogos de azar foi abordado através de Silvana, que é incapaz de parar de fazer apostas, mas não admite que é viciada. Ela passa a vender todas as suas joias, carros e outros objetos pessoais. Se meteu com quem não devia e colocou toda sua família em risco inúmeras vezes. Apesar de ser um tanto cansativa e repetitiva, essa trama é outro grande acerto da autora. Serve de alerta a todos os viciados, seja em jogos de azar ou não.
* Baleia-azul era uma espécie de brincadeira virtual realizada com desafios. Começando sendo algo inofensivo e depois passando a ser coisas mais pesadas, até que o usuário ficasse sem muitas opções a não ser tirar a própria vida. A abordagem foi eita através do personagem Yuri, que se viu obrigado a continuar com a brincadeira. Feita em poucos capítulos e bem aleatória no meio da novela, acredito que foi uma decisão repentina da autora para alertar os jovens dos perigos da baleia-azul.
E agora alguns defeitos:
São poucos, e totalmente irrelevantes para o resultado final da obra, mas eles existem (talvez, unicamente na minha interpretação pessoal) e gostaria de pontuá-los aqui apenas a título de curiosidade.
Repetição demasiada: É muito comum em novelas de Glória Perez vermos situações sendo repetidas inúmeras vezes ao longo de toda a exibição da novela. E em AFDQ não foi diferente, mesmo que mascaradas pelo excelente texto, elas existem. Quantas vezes tivemos Abel e Ednalva trocando ofensas e se ofendendo a troco de nada? Acho que um milhão de vezes. Sinceramente isso me cansou muito e eu pulava algumas cenas, tamanha era a chatice desses dois. Uma pena, pois Ednalva é uma das melhores personagens da obra, mas ficou perdida em uma narrativa sem função que não saia do lugar.
Outro caso de repetição foi a trama da Silvana, cansava as inúmeras vezes que a personagem saia de casa inventando alguma desculpa para o marido, mas que, na verdade, estava saindo para jogar. Ela perdia dinheiro e precisava repor de alguma forma, e acabava roubando de Eurico, que ficava prestas a descobrir toda a verdade, mas que não descobria nunca. Isso se repetiu incontáveis vezes. E cansou em muitos momentos.
E cansou também todas às vezes que Fabiana se referia a Jeiza como ''aquela policial'', a culpando por tudo de ruim que acontecia nessa terra, mesmo sendo obvio que o culpado de tudo era o Rubinho. Eu acho até que essa parte da novela não fez muito sentido.
Personagens sem função: Em uma novela de personagens fortes e carismáticos, é bem comum que alguns não tenham muita função, pois ficam perdidos em meio a tanta história interessante e bem desenvolvida. Acho até que seria impossível para o autor dar a mesma atenção a todos. E o resultado disso são personagens transitando feito desorientados pelos cenários, sem ter muito o que fazer; Nazaré tinha a função de dar broncas em seu irmão Abel todas as vezes que ele discutia com Ednalva e só; Anita mal aparece na novela e qaundo aparece é pra servir de orelha para Cibele; Shiley a mesma coisa, sua função é ser a esposa vagaba do Dantas; Candida é uma personagem legal e com muita carisma, mas fica ofuscada pelas outras mães das protagonistas, que possuem muito destaque na vida de suas filhas, Mas Candida fica apenas sentindo receio por sua filha ser policial.
E tem outros personagens que nem sei o nome tamanha sua falta de função na trama. Amiga da Eliz? Colega da Abigail? Personagem do mussunzinho?
Quem são?
E esse foi meu apanhadão geral da novela A Força do Querer. Eu até poderia escrever mais, mas ficaria um texto enorme e ninguém aguenta. Mas foi feito com muito carinho, pois adorei essa novela e certamente, daqui a alguns anos, vou querer fazer uma nova reprise, e talvez minha opinião mude em alguns aspectos. Talvez não. Mas quem sabe?
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