"Sou o último romântico vivendo um amor perdido."
_______________Dirceu estava sentado em sua cama, atônito, usando apenas uma cueca branca, estava olhando fixamente para a parede do quarto, ele tem de fazer um certo ritual de concentração antes de dormir. Sua mente precisa estar em paz, o corpo relaxado, e o ambiente a sua volta no mais absoluto silêncio, só dessa forma ele conseguirá atingir a lucidez durante o sono.
Ele sofre de depressão e tem muitos ataques de ansiedade, teve episódios de insônia nos últimos meses, e isso para ele era algo insuportável, ele precisava dormir, precisava sonhar, uma boa noite de sono é a coisa mais importante de sua vida. A solução encontrada foi recorrer a remédios, coisas que prometem curar sua depressão, seus ataques de ansiedade, e principalmente o colocar para dormir.
Todas as luzes estavam apagadas, a casa em completo silêncio, se podia ouvir apenas o "tik" "tak" do relógio no cômodo ao lado. Na escuridão da noite, ele esperava o tempo passar.
Seu ritual de meditação estava quase completo, mas nessa noite ele faria diferente, em seu quarto, na mesinha de centro, deixou uma boa quantidade de remédios, ele os comprou ilegalmente na internet, mas não tinha medo de sofrer qualquer penalidade, pois isso não teria importância na manhã seguinte; eram pílulas, droga pesada, dos mais variados tipos, para depressão, ansiedade, diabetes e hipertensão.
Um coquetel de remédios. Dirceu separou aquele "drink" especialmente para aquela noite.
As pílulas eram boas, elas prometiam curar toda e qualquer doença que você possa ter, mas Dirceu sabia que ele não poderia ser curado tomando os remédios, sua dor é no coração, na alma.
Por melhor que seja o remédio, ele jamais poderia curar a morte.
Ele pegou seu diário, nele, Dirceu anotara os sonhos mais importantes que havia tido nos últimos cinco anos, principalmente aqueles com Alicia, sua falecida esposa. Os sonhos proporcionam a Dirceu experiências únicas, vívidas, sensações e emoções que jamais poderiam ser sentidas no mundo real.
A vida para ele havia perdido a graça após a morte de sua amada, mas nas vezes que ele dormia e sonhava com ela, era como se ele pudesse voltar no tempo e viver novamente aquele amor de sua juventude, era algo avassalador, que enchia seu coração de felicidade. Dirceu passou a dar muita importância para os sonhos após essa descoberta.
Os sonhos eram um mundo de fantasia, e nesse mundo, ele é Deus.
Apenas os sonhos ofereciam a ele a oportunidade de ver Alicia novamente, ela, que foi o grande amor de sua vida, morreu há cinco anos num terrível acidente de trânsito. Quando voltava da faculdade um carro a acertou em cheio e nada sobrou dela.
Dirceu tentou superar essa morte, mas não conseguiu, ele passou por todos os estágios do luto, mas nunca escapou dele.
Ele estava morrendo por dentro, aos poucos, o processo de luto pesou muito para Dirceu, que não tinha mais ninguém no mundo, somente Alicia, mas agora ela também se fora, e ele estava sozinho novamente.
Dirceu não tem interesse em fazer mais nada, recentemente abandonou sua profissão, não vê mais os antigos amigos, perdeu toda e qualquer relação social que havia tido em outros tempos.
A única coisa que ele ainda gosta de fazer é sonhar. Sonhar é bom, principalmente nesse momento de sua vida que ele aprendeu a controlar os próprios sonhos, era dono daquele outro mundo e tudo acontecia de acordo com a sua vontade.
Se existe um paraíso, Dirceu supôs que ele ficaria em algum lugar em seus sonhos, se ele procurar com muita vontade vai acabar encontrando.
Dirceu percebeu que a morte não pode impedi-lo de viver ao lado de Alicia, pois, ele ainda pode sonhar; em seu diário ele guarda muitas anotações, descrições de sonhos lúcidos que ele havia tido nos últimos cinco anos, e o nome de Alicia aparece na maioria deles.
Ele ainda se lembra do rosto dela, era uma bela mulher, cheia de personalidade, única, em cada detalhe.
Alicia frequentemente aparecia para Dirceu, lhe chamando, cantando para ele, com sua voz doce e feminina; o convidando para voar ao redor do mundo, uma ilusão, que com certa perfeição imitava a realidade. Dirceu podia sentir os beijos dela, seu perfume, seu toque característico de mulher.
Às vezes eles transavam, e Dirceu podia sentir a ereção lhe consumindo por completo.
Sim, sonhar é maravilhoso, Tudo costumava ser perfeito, como isso é possível? O ar cheira a rosas, o céu é limpo e belíssimo, Dirceu caminhava até Alicia, e os dois se amavam muito.
Dirceu ficaria sonhando 24h por dia se fosse possível, aquilo é o paraíso para ele.
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Ele estava chorando agora, continuava sentado na cama, olhando para a parede, perdido em pensamentos. Olhou para as pílulas que estavam jogadas na mesinha de centro, eram muitas, se as tomasse entraria em coma, e se tivesse sorte, teria uma overdose, Dirceu esperava que assim fosse.
Quando está acordado, ele só quer dormir, nem sempre ele sonha, não todas as noites, e mesmo quando sonha ele às vezes não alcança a lucidez ou não consegue manipular o sonho de acordo com a sua vontade, mas ainda sim, dormir é bom, é prazeroso, mesmo quando não sonha com Alicia ele fica feliz em dormir, pois, é o único momento do dia em que ele se sente em paz, ele não pensa na morte e a depressão não o domina por completo.
Quando está acordado, seu cérebro é como uma nuvem de tempestade cheia de pensamentos ruins. Ele pensa demais, é uma tortura.
Dormir é muito bom.
O tempo passou, agora eram quase dez horas da noite, o quarto foi ficando cada vez mais escuro.
Dirceu dormirá em breve, para ver Alicia novamente, foi chegando ao fim seu ritual de meditação, agora ele estava relaxado, não tinha mais tantos pensamentos ruins, estava em relativa paz.
Não chão do quarto havia uma garrafa de bebida, era whisky, seu favorito, o mais caro de sua adega, ele a guardava para um momento especial, e esse momento chegou.
É 23 de outubro, aniversário do acidente de Alicia, faziam exatamente cinco anos de sua morte e Dirceu planejou fazer uma visita especial para sua amada, essa visita seria a mais especial de todas. Dirceu tomaria todas as pílulas que estavam na mesinha de centro, eram fortes, ele sabia, aquilo iria derrubar ele completamente. Aquele seria o sonho mais longo de sua vida.
Alicia o esperava do outro lado, no paraíso, e logo ele estaria ao lado de sua amada, no mundo dos sonhos, onde a morte não existe, ela não pode impedir os dois de viverem esse amor.
Dirceu a veria novamente, e os dois iriam se amar a noite toda, mas quando chegasse a manhã, Dirceu não acordará, ele continuará dormindo, ele dormirá para sempre.
Ele colocou o diário na mesinha, e agarrou todas as pílulas que haviam ali, eram muitas, elas enchiam seu punho, algumas caíram no chão. Dirceu as colocou na boca e bebeu um enorme gole de whisky, teve dificuldade para engolir, muitas não queriam descer pela garganta, mas com muito esforço elas finalmente desceram.
Agora estava feito, não tinha mais volta. Ele deu outro grande gole do whisky, apreciando cada gota, ainda podia sentir as pílulas descendo pela garganta e parando no estômago, elas iriam destrui-lo por dentro, Dirceu fez uma careta de dor e rapidamente deitou na cama, cobrindo-se da cabeça aos pés.
Ele estava contente, finalmente teria paz. Dormiria, sim, era o que ele mais gostava de fazer, mas não iria acordar, para ele estava muito bom, já que isso ele odiava e se sentia deprimido todas as manhãs, quando abria os olhos e notava que teria de enfrentar mais um dia, igual a todos os outros.
Isso não aconteceria novamente.
Fechou os olhos, tentando concentrar-se em Alicia, pensava com clareza na imagem dela, aquela doce e delicada mulher, seu corpo, seu perfume. Naquela noite, Alicia seria somente sua, aquela noite que duraria para sempre.
Os olhos foram ficando pesados, os pensamentos turvos, começaram a ficar incoerentes.
Dirceu finalmente adormeceu...
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"Vagarei pelo céu à procura do meu amor perdido. Perguntarei às estrelas onde o mar esconde meu amor. E assim seguirei minha vida, até encontrar novamente as raízes da minha felicidade."
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