A Dança da Morte - Resenha

Tang
By -
0



"⁠A estrada para o inferno é pavimentada de boas intenções..."


Um épico de Stephen King, talvez, esse seja seu melhor trabalho, mesmo tendo uma extensa carreira e mais de 60 romances publicados, posso dizer que A Dança da Morte (The Stand, 1978) foi o livro apoteótico dele, e os fãs do autor hão de concordar comigo. É uma história e tanto sobre o fim do mundo, e de como as pessoas serão afetadas por ele. Elementos fortes de fantasia macabra, sobrenatural e religiosidade são encontrados aqui; com forte embasamento na fé cristã, o que é interessantíssimo de acompanhar, já que se trata de um livro que, teoricamente, é sobre o puro e simples terror, mas, ao decorrer das páginas, o leitor vai descobrir que a complexidade dessa história ultrapassa facilmente as limitações desse gênero. 

É um romance extenso. Com muito conteúdo para ser explorado e debatido. Tanto é verdade que até hoje os fãs discutem e criam teorias sobre o desenvolvimento da história e personagens. Sem dúvidas, é um grande trabalho do King.

Livro 1 – Capitão Viajante;


É uma obra grande, são 1248 páginas de pura fantasia alegórica. A estória foi dividida em três partes, sendo essa a primeira; aqui, nós vemos que um vírus de gripe, extremamente mortal e contagiante, escapou por acidente de uma base militar e em pouco tempo mataria 99,9% da população mundial.

O vírus de gripe, que viria a ser conhecido popularmente como "Capitão Viajante" foi criado em um centro de estudos de doenças para ser usado como arma biológica (em uma possível Terceira Guerra Mundial, talvez) mas acontece um terrível acidente, possivelmente alguém cometeu um erro grave o vírus escapou, matando todos os funcionários do laboratório.

O alerta de segurança foi acionado e o lugar é colocado em quarentena, mas a super-gripe foi disseminada quando um dos soldados percebeu que havia algo de muito errado acontecendo e comsegue fugir do local levando toda sua familia. Ele acabou contaminando outras pessoas que mantiveram contato com ele durante essa fuga. 

Sendo um vírus super contagioso, agora não tinha mais escapatória, a Capitão Viajante já estava no ar, e em pouco tempo causaria a morte de grande parte da metade da população mundial.

Há quem ache essa primeira esse início lento, monótono, ou não tão interessante quanto a parte 2 e 3 do livro, mas eu penso justamente o contrário, essa é a minha favorita, pois acho super interessante a forma que o Stephen King vai descrever a disseminação da Capitão Viajante, começa com o soldado que fugiu com sua família, mesmo sem entender direto o que estava acontecendo; ele vai passando a gripe para aqueles que cruzaram seu caminho. O contágio vai de pessoa para pessoa. Inicialmente é algo mais lento, mas aos poucos a epidemia vai tomando proporções absurdas e logo, o surto de gripe sairia de controle.

É interessante que o Stephen King apresentará um governo negacionista, que não admite a existência de uma epidemia global. Ele tentará acobertar toda e qualquer notícia sobre a super gripe o quanto for possível, a fim de não admitir que os cientistas (militares) americanos cometeram um enorme erro ao tentar criar essa arma biológica. 

Vai chegar um momento caótico na história, que é quando a população começa a perceber que todos estão ficando doentes, vítimas de uma misteriosa doença que se pega pelo ar. As pessoas estão morrendo; os militares, a mando de um governo negacionista, matam todos que tentam disseminar a verdade; a população, mesmo doente, sairá nas ruas em protesto, e o caos vai tomando proporções absurdas.

É o ponto alto da história, o livro fica intenso, emocionante, e terrivelmente assustador. Excelente!

Também somos apresentados a alguns protagonistas, eles (e uma pequena parcela da população) são imunes a Capitão viajante. Não pegam a super gripe.

King apresenta uma galeria de personagens interessantes e complexos, cada um vivendo a sua maneira, em meio ao caos causado pelo vírus de gripe.

Frannie Goldsmith é uma universitária que descobre estar grávida de seu atual namorado. Ela não esperava ficar grávida nesse momento de sua vida, e sofrerá um dilema pertinente, ter ou não esse bebê?

Stu Redman é um texano caipira, que foi pego pelos militares americanos após ter contato com um dos infectados. Mas todos ficam surpresos, pois, ele não vai sofrer qualquer tipo de sintoma, Stu, aparentemente, é imune a super gripe.

Nick Andros é um surdo-mudo que se meteu numa briga de bar e foi espancado por uma gangue de valentões bêbados. Ele foi levado até a delegacia e com a ajuda do delegado conseguiu prender seus agressores. Mas, com o surto de gripe acontecendo lá fora e os novos presos apresentarem estar contaminados, Nick sofrerá um terrível dilema, deixar que eles saiam na tentativa de fugir da super gripe, ou manter eles presos, para morrerem na prisão?

King constrói um enredo rico em detalhes, seus protagonistas são incríveis e ganham nossos corações rapidamente. Nos importamos com eles e torcemos para que nada de ruim aconteça-lhes - mas, nem sempre somos atendidos.

Larry nunca foi um cara legal, ele se considera arrogante, egoísta e uma pilha de nervos. Mas ele aproveitará o "admirável mundo novo", ou seja, essa sociedade pós apocalíptica, para mudar esse conceito sobre si mesmo, mas, claro, não será nada fácil.

Lloyd foi preso acusado de furto e assassinato. Ele se vê numa situação completamente agonizante, quando todos os presos e funcionários da prisão morrem e ele fica sozinho - sem água ou comida - para morrer naquela cela de prisão.

O homem da lata de lixo é um incendiário, cheio de traumas e marcas de uma vida que nunca foi fácil. Ele aproveita o fim do mundo, e a morte da civilização, para incendiar tudo a sua volta.

Livro 2 – A Fronteira;

Muitas pessoas morreram. E os poucos que restaram ficam perdidos, sem saber que rumo tomar.  Haverá uma divisão na nova sociedade, que será estabelecida por dois poderosos seres, Mãe Abagail e Rendall Flagg

Mãe Abagail é uma velha senhora de 108 anos, que foi designada por Deus para juntar parte dos sobreviventes e leva-los em segurança para o Leste, pois existe uma força maligna ameaçando a vida das pessoas e eles precisam correr contra o tempo para encontrar um lugar bom e seguro que possa servir de abrigo e morada aos que sobreviveram a super gripe; esse lugar é uma cidadezinha localizada em Boulder, Colorado, uma nova sociedade democrática foi instaurada ali, e fica conhecida como Zona Franca.

Rendall Flagg, conhecido como "homem escuro", também estará recrutando alguns sobreviventes, mas, diferente de mãe Abagail, que é bondosa e está chamando as pessoas boas e honestas que restaram, Flagg está chamando as piores pessoas da sociedade, aqueles que sobreviveram a super gripe, mas que não são boas pessoas. Ele é o mal encarnado, e quer estabelecer uma sociedade autoritária, bem semelhante a uma ditadura, tendo como seguidores toda a escória que reside na terra. 

Mãe Abagail é uma mulher iluminada, é usando sua capacidade de falar com Deus (e ser respondida por ele) que ela tentará lutar com todas as forças para que o pior não aconteça. Rendall Flagg é um ser maligno e representa as forças do mal. Ele é o oposto de Deus (mas não é o diabo), e usará seu poder de persuasão para enganar alguns residentes da Zona Franca, e traze-los pro seu lado, num terrível ato de traição.

Esse segundo livro é muito bem desenvolvido. Nós teremos vários personagens vivendo dilemas sociais e morais tão reais que conseguem fazer o leitor parar para refletir; não existe uma pessoa que é apenas boa, e que teoricamente seguiria mãe Abagail, essa pessoa também tem um lado maligno, uma parte maldosa que faz parte de seu caráter, e é isso que Rendall Flagg usará para persuadir os personagens. 

É uma discussão bastante pertinente, alguns irão ao encontro de Flagg simplesmente por serem maus, ou apenas por não se sentirem aceitos na Zona Franca, por serem estranhos, esquisitos e rejeitados, os motivos são diversos; outros irão ao encontro de mãe Abagail, por estarem solitários, por estarem buscando segurança, conforto e amor. 

E também existem aqueles que estarão no meio, nem pendendo para um lado, e nem para o outro. São capazes de tomar decisões ruins na vida, mas isso não significa que são pessoas de todo ruins. Estão presos nessa linha tênue entre o bem e o mal. 

Os personagens são complexos e viverão esses dilemas.

Rendall Flagg usará dessas fraquezas e dúvidas de caráter para enganar alguns personagens. Fazê-los agir conforme a sua vontade. A consequência disso é uma enorme tragédia na zona Franca. É quando as pessoas que estão ao lado de mãe Abagail finalmente começam a agir contra o homem escuro, antes que ele os destrua por completo. O plano é enviar três espiões para o Oeste, para descobrir o que Flagg está fazendo além das montanhas, e o que ele está planejando fazer contra os residentes da Zona Franca.

Esse é um ponto forte da história e nos levará direto para a intensa batalha final.

Parte 3 – A Dança da Morte;


Quando fiz a primeira leitura desse livro, eu estava numa fase de pura paixão pelo Stephen King, devorando um livro atrás do outro, e A Dança da morte sempre esteve na minha lista de prioridades, pois, o tema desse romance me agrada muito; a questão do vírus de gripe que assola a humanidade; a divisão entre bem e mal, tendo o Deus cristão como referência, e o fato dos fãs considerarem esse livro a melhor coisa que o King já escreveu, somando todas essas questões, eu estava com as expectativas lá no alto.

Posso dizer que fiz umas das melhores leituras da minha vida. Minha paixão pelo autor (que já era tamanha) cresceu ainda mais. Fiquei apaixonado pelos personagens, vibrei a cada momento, e torcia para que nada de ruim acontecesse a eles. Amei cada detalhe da primeira parte, quando a Capitão Viajante é disseminada e mata 99,9% da população. Esse continua sendo meu momento favorito da história. 

Fato curioso: fiz esse leitura no comecinho de 2020, pouco antes de surgir o surto da Covid19, e foi muito intenso acompanhar as notícias alarmantes no mundo real e o surto de gripe no livro (as semelhanças entre os dois vírus eram muitas), foi uma coincidência bem curiosa, que deixou minha leitura super marcante (e assustadora!).

Mas, dois anos depois tomei a decisão de fazer uma releitura, por ter gostado tanto do livro e também para esclarecer algumas coisas que eu havia deixado passar quando o li pela primeira vez.

Posso dizer que contínuo gostando muito de A Dança da Morte, é um livro incrível, talvez o melhor que o King tenha escrito, mas percebo que há muitos alguns defeitos nessa história que podem atrapalhar a experiência do leitor; comentarei a lentidão enorme que se instala na história bem na metade, e o livro só volta a ter mais agilidade no final; que não é dos melhores, King passa quase 1000 páginas prometendo uma épica batalha entre bem e mal que nunca acontece de fato, as coisas são resolvidas do nada, por um "Deus ex machina", que faz sentido na história, mas não satisfaz o leitor, uma pena.

Mãe Abagail, a lider da Zona Franca e principal antagonista de Rendall Flagg, promete muito, mas não entrega muita coisa. O autor some com a personagem do nada, e na minha opinião, das duas uma; foi um artifício usado por ele para que a história pudesse andar ou ele não tinha idéia do que fazer com a personagem e resolveu fazê-la desaparecer num momento oportuno, dando uma desculpa que não me convenceu.

O plano de mandar três espiões para o Oeste também é algo que me incomoda um pouco, pois a intenção era descobrir o que Rendall Flagg estava planejando fazer contra o pessoal da Zona Franca. Acontece que, essas informações eles já tinham, Flagg quer destrui-los, fazendo uso de armas militares e biológicas. Eles foram atrás de informações que, se pensarmos bem, eram de se supor desde o início.

Mas entendo que esse momento da história foi importante para mostrar que Flagg não é perfeito. Ele tem fraquezas. E a estrutura da sociedade estabelecida por ele é de areia, desmorona fácil.

Bom, não vou pontuar todas as minhas considerações pois o texto já está enorme e não quero me estender ainda mais. Foi uma boa releitura, amei rever esses personagens. Eles são incríveis, sinto que são pessoas reais, de tão bem construídos. Grande Stephen King!


PS: Menção honrosa a amizade de Nick e Tom Cullen, meus protagonistas favoritos do King, que formam uma cumplicidade enorme ao longo da história, relação de muito amor e afeto. Amo muito esses dois.
___________________

Mostre-me um homem ou uma mulher solitários e lhe mostrarei como são santos. Dê-me dois e eles se apaixonarão. Dê-me três e eles inventarão essa coisa encantada que chamamos de ‘sociedade’. Dê-me quatro e eles construirão uma pirâmide. Dê-me cinco e eles transformarão alguém num pária. Dê-me seis e eles reinventarão o preconceito. Dê-me sete e em sete anos eles reinventarão a guerra. O homem pode ter sido feito à imagem e semelhança de Deus, mas a sociedade humana foi feito à imagem e semelhança de Seu oposto.

Stephen King, A Dança da Morte, pág. 460.

Postar um comentário

0Comentários

Postar um comentário (0)

#buttons=(Ok, Go it!) #days=(20)

Our website uses cookies to enhance your experience. Learn more
Ok, Go it!