Do Início ao Fim – Conto

Tang
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O DEPOIS; É fim de tarde, o velho casebre, de tão velho cheira a mofo e podridão; nele, há uma mulher em estado de choque tentando não perder a cabeça; e nesse cenário inusitado, há também um cadáver na cozinha, entrando em estágio de decomposição;

A mulher o matou. Ela precisou matar.

Arabella passou aquela tarde no casebre de seu avô. Era uma casinha de madeira bem simples, mas que ficava próxima ao lago e tinha uma bela vista para as montanhas, um lugar bastante agradável. 

Ela estava sentada na cadeira de balanço, observava o por do sol com intensa satisfação. Seus cabelos loiros estavam sendo bagunçados delicadamente pela brisa de verão. era uma mulher muito bonita, sempre foi desde menina. E sua beleza costumava chamar atenção de muitos homens, de todos eles, inclusive dos homens errados.

Em seu colo havia um enorme machado de lenhador, era grande e estava coberto de sangue. Era de um vermelho intenso, escuro e que já estava coagulando. Não era o sangue de Arabella, mas sim de seu abusador, Patrick, que agora jazia morto, e o que restou de seu corpo estava jogado num canto escuro da cozinha.

Os abusos eram feitos enquanto a mãe estava dormindo, em plena madrugada; Patrick tinha o costume de visitar Arabella durante a noite, ele sempre se aproximava de sua cama de mansinho, como uma assombração, e começa a tocar suas partes íntimas enquanto ela dormia (ou fingia dormir). Para Arabella, aquilo não passava de um sonho. Era confuso e fragmentado. 

Ela tentava não pensar no assunto quando estava acordada e desperta, mesmo naquela época ela tinha consciência de que seu padrasto a estava molestando; Arabella não era boba, mesmo que fosse apenas uma criança quando aconteceu pela primeira vez.

Sempre foi uma garota inteligente, mas não soube como iria resolver essa situação. Pensou em contar para a mãe, e dizer a ela o que Patrick estava fazendo, mas ficou assustada quando passou pela sua cabeça que sua mãe poderia não acreditar em sua versão dos fatos; e se acreditasse, ela poderia defende-lo, ficar do lado de Patrick e contra ela, talvez até pensar que foi uma sedução consentida. Não, ela não podia contar. Além disso, uma coisa assim iria destruir sua família, sua mãe morreria de desgosto, haveria outro divórcio e provavelmente teriam de ir morar em outro lugar. Patrick dizia isso a ela, Patrick lhe dizia muitas coisas;

Ela preferiu ficar quieta e não dizer nada a ninguém. Seria melhor assim.

Agora, os anos passaram, ela está crescida e entende melhor o que lhe havia acontecido, está perfeitamente consciente de sua condição; ela é a vítima, e não foi culpada pelo que aconteceu, não foi uma relação mútua e muito menos houve consentimento, Patrick a usou para saciar seus desejos primitivos, foi só; Os abusos sexuais continuaram até sua adolescência. A mesma época em que Patrick começou a demonstrar seu lado doente e obsessivo. Ele nem fazia questão de disfarçar para a mãe de Arabella o que estava acontecendo entre eles; começou a controlar seus passos, a impedindo de sair com suas amigas, não querendo que ela fosse ao cinema com alguns garotos. E chegou ao limite quando deu um forte tapa em sua cara quando Arabella lhe disse que foi convidada para ir ao baile de formatura com um garoto da escola. Patrick ficou furioso, possesso de ciúmes e a agrediu.

— Ah, seu desgraçado! — ela disse, agora segurava o manchado com mais força, passando as mãos pelo sangue de Patrick. Seus dedos estavam melados e pintados de vermelho — se eu pudesse voltar no tempo só para ter o prazer de lhe matar novamente, eu faria sem pensar duas vezes!

Ela estava em estado catatônico. Encarava um ponto fixo da paisagem, podia enxergar algumas árvores sendo movimentadas por uma forte brisa úmida que anunciava uma possível tempestade para os próximos dias — Ótimo, eu adoro a chuva! — Disse, ainda tentando recobrar os sentidos. Seus membros tremiam, ela inteira estava tremendo, queimando por dentro. Sentia uma espécie de prazer mórbido, pois havia acontecido um massacre no casebre de seu avô, e ela era a responsável. Patrick foi envenenado, queimado, amordaçado, e por fim, despedaçado; ela planejou essa vingança desde a sua juventude e agora a vingança estava concluída.

— E agora, o que acontecerá?

Arabella não sabe, nem quer saber. Provavelmente será indiciada por assassinato; a Polícia descobrirá o que aconteceu a Patrick e, claro, ela será a maior suspeita.

— Quem se importa? — ela falou, estava perdida em pensamentos, numa conversa com ela mesma — O que está feito, está feito! Os homens da lei não podem mudar isso.

Esse pensamento fez um sorriso felino esboçar em sua boca. Ela despertou, saiu de seu estado catatônico, finalmente decidiu que era hora de se mexer um pouco, afinal, ainda tinha muito trabalho pela frente. Conseguiu levantar-se sem tremer muito, ainda estava muito nervosa, mas agora conseguia raciocinar melhor; Há uma cena de crime aqui, que precisa ser limpa antes que alguém veja; ela precisa livrar-se do machado, nele tem o sangue de Patrick e também suas impressões digitais. O carro de Patrick está no estacionamento, Arabella tem que fazê-lo desaparecer do mapa, os documentos de identificação estão todos lá dentro, e a polícia não pode encontrá-los. Há uma bagunça enorme na casa, ela precisa fazer uma bela faxina, pois há pedaços de Patrick espalhados pela casa toda, principalmente na cozinha, havia sangue em todas as paredes, no chão e nos móveis. Ela fez uma bela sujeira. Se concluir todas essas tarefas antes que amanheça, talvez ela consiga se livrar da prisão.

Talvez a polícia não descubra nada, afinal. Patrick era um ninguém, quem se importa com ele?

— Com certeza eu não — Ela disse, desceu da varanda e foi indo na direção do carro de Patrick, que estava estacionado bem em frente ao casebre.

Seu passo era firme e demonstrava atitude. O pior já tinha passado, agora só precisava jogar o lixo fora e finalmente poderia descansar. Arabella chegou até o carro de Patrick, e com força, segurando o machado com as duas mãos, o usou para dar um impulso e quebrou o vidro da dianteira. De súbito, foi acionado todos os alarmes do veículo, era um barulho bem alto e incômodo, que subiu pelas árvores e espantou todos os pássaros de seus poleiros. Sem problemas, não tem ninguém naquela parte da cidade e ninguém vai ouvi-lo. Ali era um lugar afastado e coberto por vegetação, Arabella escolheu esse lugar justamente por isso; poderia acabar com Patrick sem que ninguém a incomodasse.

Ela entrou no banco do motorista e jogou o machado no carona. Por sorte, as chaves estavam na ignição — Ótimo Patrick, você deu uma a dentro... — ela disse, dando uma risadinha irônica — meus parabéns!

Arabella ligou o carro e saiu rapidamente do estacionamento. Deu a volta e seguiu dirigindo na direção da floresta, que ficava logo a frente. Havia uma trilha de terra espremida entre as árvores do campo, ela seguiu por aquele caminho até que deparou-se com um bela vista tropical; o lago é grande, límpido e calmo. A água tinha uma cor muito bonita, era uma mistura de verde e azul; as bordas eram cobertas por árvores que projetavam bastante sombra na superfície. Um cenário perfeito para encerrar esse espetáculo sangrento.

Aproximou-se cada vez mais do lago, agora, o carro sacudia bastante, derrapando na terra e atropelando varias pedras pelo caminho. Ela estava a toda velocidade e acelerando cada vez mais.

O carro atingiu sua capacidade máxima e seguia bem rápido agora, a trilha acabou e restava apenas o lago pela frente; quando o carro chegou a meio metro da borda da água, Arabella rapidamente abriu a porta do motorista e saltou, num forte impulso, caindo com violência no chão de terra e areia. A alta velocidade do carro combinada com a força da gravidade gerou uma péssima combinação. Havia um pouco de mato no local que amorteceu sua queda, mas ainda sim, ela se machucou feio. Ficou com feridas expostas nos braços e nas pernas, havia algumas pedras ali, que provocaram sangramentos em várias partes de seu corpo. Ela gemeu de dor e agonia, ficou no chão durante um bom tempo, observando o carro que seguiu a toda, até cair no lago e afundar completamente; houve um barulho alto quando ele chocou-se contra a borda da água. Primeiro ele foi abraçado, depois foi engolido por completo. O carro desapareceu, estava destruído e ninguém mais o encontraria. Agora, ela suspirou de alívio, tinha feito boa parte da "limpeza" e faltava muito pouco para essa história finalmente ter um fim.

Levantou-se do chão, limpando a sujeira que ficou em seu corpo e foi caminhando de volta até o casebre de seu avô, pois ainda precisava dar um fim ao cadáver de Patrick. Ela pensou em queima-lo, junto de suas roupas e, (se ainda restasse algum) de seus objetos pessoais. Sim, faria isso. Seria uma satisfação enorme ver Patrick queimando, assando, carbonizando.

— Ah! esse é o dia mais feliz de toda minha vida! — Ela disse, seguindo o caminho na trilha da floresta. Sentia-se orgulhosa por tudo que havia feito até aqui. Sentia-se poderosa.

Ela estava com dores, curvando-se constantemente pelas pontadas que sentia em todos os membros de seu corpo, principalmente nas pernas e nos braços, pois a queda de fato foi muito feia. Mas ela estava tranquila quanto a isso, aquilo precisava ser feito, tinha que se livrar de tudo que relacionava Patrick a ela ou ao casebre de seu avô. Patrick era um abusador nojento, e precisava desaparecer do mapa, ele tinha que sumir para sempre, e era isso que Arabella havia feito.

Após uma boa caminhada, estava novamente chegando ao local do crime, o casebre, que agora parecia tão mórbido e solitário. Era o lugar onde ela havia feito justiça. Arabella limpará toda àquela sujeira, sim, ninguém jamais irá saber o que aconteceu naquela casa, ninguém jamais irá descobrir.

Pois, fazia parte de seu planejamento sair ilesa desse crime sem ser penalizada por isso; esse era é o seu plano desde o início...

O PLANO; é matar Patrick com resquícios de crueldade, mas, primeiro, ela precisa atrai-lo para sua armadilha. Tinha o casebre de seu avô livre para executar o crime, não seria nada difícil fazer Patrick ir até lá, já que ele é apaixonado por Arabella desde que ela se entende por gente.

Há cinco anos ele já não estava mais casado com a mãe dela, e os dois perderam contato após o divórcio. Mas, nos últimos meses, Arabella se reaproximou de Patrick sem muitas explicações, dizendo estar com saudades, dizendo querer estar perto dele, ela sabe que ele não resiste a seus encantos e fez questão de intensificar esse sentimento no homem; o provocando, perseguindo, dizendo que quer ser dominada por ele, e querer estar com ele.

Nem foi tão difícil. Eles combinaram o dia e a hora. Arabella o convenceu a não contar para ninguém (por motivos óbvios) o que estava acontecendo entre eles. E lhe disse que se ele quisesse mesmo tê-la novamente, teria que ser num local isolado da cidade, distante e seguro; o casebre de seu avô seria perfeito, sim, o lugar era bonito, isolado e silencioso.

Arabella sentia-se nojenta por agir assim, mas ela tentou ignorar esse desconforto e seguir em frente. Tudo faz parte e teria de acontecer conforme ela havia planejado.

Patrick chegou ao casebre bem cedo naquele dia. Arabella o observava pela janela da cozinha e viu que ele estacionou o carro na vaga que pertencia ao seu avô, nesse momento, sem muita explicação, ela o odiou mais do que nunca — Eu vou te matar, Patrick — ela disse, passando a língua úmida nos lábios e fazendo uma careta de puro asco — Hora se vou! — ela tinha alguns objetos suspeitos jogados na mesa do jantar; um enorme machado e uma caixinha de veneno para ratos. Rapidamente os escondeu, para que Patrick não veja aquilo e desconfie de algo.

Ele passou pelo quintal e foi seguindo até a varanda. Era um homem comum, não muito alto, tinha cabelos escuros e estava ficando calvo na parte de trás da cabeça. Também não era exatamente gordo, mas tinha uma barriga de cerveja que Arabella enojada profundamente. Patrick já não é um homem jovem, tinha rugas e marcas de expressão espalhadas pelo rosto todo; e Arabella não é mais uma menina, agora, era uma bela mulher, alta, loira e com belas curvas que marcavam bastante o vestido que estava usando. Os dois até formariam um belo casal, não fosse pelas circunstâncias espinhosas.

Na cozinha, Arabella preparava uma macarronada bolonhesa, a preferida de Patrick, também havia muitas outras coisas que ela havia cozinhado com bastante esmero. Eles "(ELE)" teriam um belo jantar. Estava quase pronto, mas ela não podia experimentar para ver se o macarrão estava gostoso, pois, havia colocado um tempero especial na comida, sim, um ingrediente secreto, algo que o faria botar todos os bofes para fora.

Ele chegou na porta de entrada e gritou perguntando se havia alguém em casa, ela o respondeu de volta, dizendo para ele entrar. Não podia atendê-lo pois estava ocupada fazendo o jantar.

Patrick entrou e seguiu até a cozinha. Ficou parado na porta, observando Arabella cozinhar, ela estava de costas para ele, e não virou-se para cumprimenta-lo. Não queria olhar para ele, pois sabia que a expressão em seu rosto era a de um predador, um olhar que ela conhecia muito bem, lembrava-se de vê-lo olhando-a dessa forma quando sua mãe não estava por perto. Ah, ela se lembra disso muito bem.

Após um bom tempo apenas observando, em silêncio, sem dizer uma só palavra, Patrick foi até ela, por trás, a passos largos, e agarrou sua cintura com brutalidade, pressionando a virilha contra o corpo dela. Ele tinha uma ereção, ela podia sentir. E sentiu também a mão dele descendo lentamente pela barra de seu vestido, acariciando com força todas as partes que conseguia ter contato, passando pela coxas e indo até a sua...

— Não! — Ela disse de repente, falou bem alto, com um tom de voz agudo e desesperado, isso surpreendeu Patrick, que afastou-se rapidamente e passou a encara-lá.

— Não? — ele disse — como assim, não?

— Eu... eu... primeiro, preciso terminar o jantar. Quero que tudo seja perfeito. Fiz seu prato preferido, Patrick, macarrão bolonhesa! — ela tentou parecer sensual e simpática. Mas não conseguiu.

Após um momento de silêncio, ele a respondeu:

— Eu adoro — Patrick falou num tom paternal que Arabella sempre detestou. Novamente ele estava olhando para ela como um predador olha para sua vítima antes de ataca-la — mas tem outra coisa que eu quero comer nesse momento. É mais gostosa, mais macia...

Ele avançou novamente, colocou as mãos na parte de baixo do vestido dela, invadindo sua intimidade como um estuprador, tentando descobrir se Arabella estava usando calcinha. Ela recuou. Tentou afastar-se dele com avidez, em desespero, mas ele continuou avançando até que quase a derrubou. Ela ficou de bruços no balcão, balançando a cabeça avidamente, em negativa, e, nesse momento, avistou uma faca grande jogada na copa da cozinha.

Ela poderia tentar pegar essa faca e usá-la para cortar a garganta de Patrick, seria rápido, fácil, e indolor.

Não! Não podia fazer isso, pois ela queria que ele sofresse bastante, queria faze-lo implorar pela própria vida.

Com muito esforço ela conseguiu se controlar e resistir ao impulso de pegar a faca para matá-lo. Se entregou a ele, que agora tentava puxar a alça de seu sutiã. Ele puxava, apertava e arranhava, agarrava com força os seus seios. Ela parou de recuar e deitou-se no chão. Completamente absorta da situação, e por fim, fez um olhar provocador, o convidando, usando sua feminilidade para p dominar e ter controle sobre seu desejo. E eles transaram ali mesmo, no chão imundo da cozinha.

Enquanto isso, as panelas continuavam no fogo, ardendo pelo calor das brasas.

Durante o sexo, Arabella sentiu um misto de sentimentos tão profundos e intensos que a deixaram enjoada, e precisou fazer força para não vomitar; primeiramente, quando ele penetrou ela sentiu muita dor; depois lembrou-se de quando era só uma menina e Patrick a visitava durante a noite, e essa lembrança a deixou ainda mais perturbada. Ela sentiu nojo, raiva, medo e ódio. Estava cerrando os dentes e mordendo a própria língua num ato desesperado de conter um grito de socorro. Seu corpo e sua mente estavam tendo uma reação de rejeição muito forte ao corpo de Patrick, era uma verdadeira tortura. Ela estava gemendo bastante, mas não era de prazer.

Patrick não sabia disso, claro. Ouvia aquele som abafado saindo dela, seguido de outro, e mais outro, e acreditou que ela estava adorando ser fodida por ele, sentiu-se mais homem por isso, começou a foder mais forte, mais rápido, com mais vontade.

Os dois estavam gemendo bastante.

Após o sexo, Patrick acendeu um cigarro, estava sentindo-se relaxado e satisfeito. Ficou deitado durante um bom tempo, tragando e expelindo aquela fumaça fedorenta — Você gostou, boneca? — ele disse, com a voz rouca característica de um fumante — Aposto que sim, você sempre gostou. Fingia que não, mas nunca me enganou. Do contrário, porquê iria me convidar para vir até  aqui?

Ela não se dignou a responder, apenas deu um sorriso leve "de boneca", e se levantou depressa, tentando colocar o vestido o mais rápido possível, pois não gostava de ficar nua na frente dele — O macarrão está pronto, venha comer antes que esfrie — disse, tentando parecer o mais relaxada possível, mas por dentro ela estava quase surtando, tamanho era seu nervosismo.

Ela não esperava ser atacada por ele dessa forma, mas isso foi apenas um contratempo. Até então, tudo estava indo de acordo ao planejado. Isso é bom.

Arabella pôs a mesa, havia um caldeirão grande de macarronada, tinha bastante molho e carne moída, e realmente parecia muito saboroso. O jantar era simples, porém farto, tinha uma jarra de suco, salada verde e também dois bifes grandes. Refeição para ninguém botar defeito.

Patrick sentou-se a mesa e começou a comer, Arabella o acompanhou, por educação, mas em nenhum momento tocou na comida. Ela agiu com cautela, esperou ele dar pelo menos três garfadas para só então começar a se servir: colocou pouca comida no prato, de forma lenta e monótona. Ela não pode agir com muita rapidez, precisa ter cuidado, pois a comida está batizada, e ela não pode experimentar nada do que tem naquela mesa.

— Está ótimo! — Patrick disse, com a boca aberta, estava cheia de macarrão e salada — Não vai comer?

Arabella ponderou: — Não estou com fome... fiz esse jantar só para você, Pat, é a sua recompensa por vir até aqui me encontrar.

— Eu não entendi muito bem o que você quer comigo, boneca. Ainda não entendo. Você me odiava, sempre odiou. De repente, você me procura querendo... transar... hum.

Ele continuou comendo. Comia igual um porco.

— Eu era uma garota idiota — ela disse — Não sabia o que era bom, eu não sabia de nada,... mas agora eu sei! Você é bom, Patrick. Eu o quero pra mim!

— Se você me quer, boneca, você me terá!

Os dois sorriram. Ele de satisfação. E ela de puro desejo assassino.

Quando aconteceu, aconteceu bem rápido.

Patrick sentiu uma forte azia, seguida de um enorme mal-estar; seu estômago fez um ronco audível, como se estivesse gemendo ou pedindo por socorro, sua visão ficou turva e ele sentiu que ia desmaiar; foi tão rápido e repentino que ele quase não teve tempo de se levantar para vomitar.

— Arabella... eu... estou passando mal, acho que vou... — Patrick Levantou-se de repente e expeliu uma enorme golfada de vômito, que deixou a mesa do jantar completamente encharcada. O cheiro era horrível, cheiro forte, de podridão. Tinha uma coloração estranha, era um vermelho vivo, muito parecido com...

— É sangue! — ele gritou, com uma voz fina e estérica — Mas que porra! Que droga é essa?

Arabella, que tinha se afastado da mesa para não se sujar com o vômito de Patrick, agora estava o encarando com fascínio e desdém.

— Sim, Patrick, é sangue! Não é molho de macarrão, ah não, pode aposta seus culhões nisso, meu chapa. É sangue! — ela disse, parecendo muito superior e um pouco arrogante — Eu o envenenei!

— Você... o quê? — e então outra golfada, igualmente repleta de sangue. Essa foi bem forte, mas Patrick teve que se curvar bastante, segurando a barriga com as duas mãos, pois já não tinha muito coisa em seu estômago para pôr pra fora.

Arabella achou graça, começou com um pequeno e baixo sorriso, mas evoluiu para uma gostosa e sonora gargalhada. Ela estava rindo a plenos pulmões. Patrick ficou furioso, estava com dores, e sentia que seu estômago iria explodir, mas ainda sim, ele cambaleou em sua direção, tentando agarra-la.

— Vou te matar sua vadia desgra... glup... desgraçada! Ah, eu vou te matar!

Ela se afastou dele, com facilidade. Arabella mal tinha começado sua vingança e ele já estava um caco, estava praticamente derrubado. Patrick corria atrás dela pela cozinha, tropeçando nos móveis, quase caindo, e ela fugia dele, graciosa, como uma donzela em perigo. Ela dava pequenas risadinhas tempo inteiro.

— Foi bem mais fácil do que eu pensei que seria... poxa! Foi muito rápido, planejei esse momento a minha vida inteira e acabou num piscar de olhos... — ela disse, ainda achando graça em ver Patrick andando igual a um "zumbi‐bêbado", tentando pega-la — É veneno de rato, sabe? Você irá morrer, querido, já está em seu organismo, não tem escapatória!

— Eu vou... vou... te matar... — Patrick tentava falar, mas de sua boca só saia um murmúrio anasalado.

E novamente ele vomitou. Colocou todos os bofes para fora. Era sangue, não tinha como ser outra coisa. Ele deu um grito estridente, com a força que ainda lhe restava, tentou novamente agarrar Arabella, que afastou-se com facilidade. O movimento brusco fez Patrick ter um acesso de tontura forte, sua visão ficou turva, escura, apagada, e ele desmaiou.

Quando Patrick acordou, cinco minutos depois, ele sabia que estava morrendo. Sentia um formigamento muito forte em várias partes de seu corpo, como se estivessem sem circulação sanguínea. Seu estômago doía fortemente, e sua garganta pegava fogo devido dos ácidos estomacais que vomitara anteriormente. Seu coração estava batendo muito forte, num ritmo acelerado que doía no peito. Ele tinha dificuldade para respirar. Era doloroso, como se tivesse vidro moído em suas passagens de oxigênio. Sim, ele estava morrendo.

Mas Arabella ainda não acabou com ele. Ela reservou o melhor para o final.

Ele estava sentado na cadeira de jantar, as mãos foram amarradas por trás, e seus pés estavam igualmente imobilizados. Arabella estava de pé, bem na sua frente, segurando um enorme machado de lenhador que pertenceu ao seu falecido avô e estava há muito tempo esquecido no casebre. Mas agora ele teria uma utilidade.

— O quê você... — ele tentou perguntar, mas rapidamente se calou. Tentou recobrar os sentidos. Não conseguiu. E então ficou quieto.

— Patrick você se lembra das vezes em que você entrou no meu quarto buscando saciar seus desejos sexuais... — Ela deu uma pausa, tentando descobrir a melhor forma de dizer aquilo — buscando uma menina que ainda nem havia descoberto seu próprio desejo e sua própria sexualidade?

— Eu... ah...

— Bom, eu era uma menina, sim, mas já entendia que aquilo não deveria estar acontecendo. Eu me culpei bastante no início... depois culpei a mamãe..., e até que no fim, eu culpei a você!

— Você gostava, boneca... eu sei que gostava... — Ele tentou dizer, mas se calou depressa, sentia que se falasse mais, acabará vomitando novamente.

— Não Patrick, eu não gostava... eu não compreendia na verdade. É por isso que você não deve fazer isso com crianças, meu amigo, nós estamos em formação, nossa cabeça é uma confusão e está em constante expansão, cheia de pensamentos, inseguranças e descobertas. Nós... eu quero dizer, as crianças, elas descobrem muitas coisas novas nessa idade, mas o sexo não pode ser uma delas. E você sabe porquê?

— (...)

— Porquê o sexo é uma coisa suja, criada por homens como você, para dominar mulheres (e crianças) como eu...

Ela ergueu o machado. Era pesado, mas Arabella era uma mulher forte, usou toda sua força na intenção de desce-lo na direção de Patrick.

— É isso o que você merece, Pat!

— Arabella, não faça isso! — ele tentou dizer, mas já era tarde demais.

O machado desceu, com força, e acertou precisamente os testículos dele. Houve um forte clarão na visão de Patrick. De início, ele não sentiu dor, parte de seu corpo já estava anestesiado por causa do veneno para ratos, parte dele já havia morrido por dentro. Mas, após alguns segundos a dor chegou, de repente e sem avisar. Ele gritou muito alto, em agonia, pedindo por socorro, mas ninguém podia ouvir, ninguém, exceto ela!

Arabella ouvia aquele grito de desespero com intensa satisfação, um sentimento de dever cumprido cresceu dentro dela e ficou ali. Mas, também houve um pouco de pena, só um pouco, passou pela sua cabeça que ela, talvez, tivesse exagerado em sua vingança. Passou pela sua cabeça que Patrick, talvez, seja uma vítima de sua própria ignorância masculina.

— Que vá pro inferno sua ignorância de homem, Patrick! — Ela falou, tentando expulsar o sentimento de pesar que estava crescendo em sua cabeça e principalmente em coração. Ele mereceu cada segundo de sofrimento, todos eles merecem!

Então, veio em sua cabeça uma lembrança de quando ela era bem pequena, foi numa das visitas de Patrick. Quando ela percebeu que não podia contar para ninguém sobre os abusos que estava sofrendo. 

Foi quando decidiu pela primeira vez que lhe daria o troco. Ah, e ela deu um troco dos diabos;

O ANTES; Era uma menina de 09 anos, ingênua, solitária, que ainda conservava em si certa inocência de criança. Já era noite, Arabella estava deitada em sua cama, preparando-se para dormir. Mas era difícil cair no sono, pois ela estava nervosa, temia a hora em que o monstro iria visita-lá, ele vem todas as noites, de mansinho, e demora para ir embora.

O monstro é Patrick, seu padrasto. Ele pensa que ela é burra demais para perceber o que estava acontecendo entre eles; uma relação que passa dos limites do afeto da paternidade, e atinge uma zona perigosa de desejo, coisa que normalmente só acontece entre homem e mulher. Mas Patrick estava enganado, pois ela já tinha consciência da situação, pelo menos o suficiente para entender que o que ele esta fazendo é grave, e havia penalidade para homens que fazem esse tipo de coisa.

Havia? Patrick já vinha fazendo aquilo a algum tempo, um bom tempo, e ninguém apareceu para impedi-lo. Havia mesmo penalidade?

Arabella supôs que ela teria que fazer algo para acabar com aquilo. Teria que pensar em alguma coisa, talvez, contar para sua mãe fosse um bom plano; ou contar para o seu tio que era chefe de polícia, talvez ele faça alguma coisa; ou talvez não faça nada, e então Patrick faria algo contra ela, por contar a alguém uma coisa que ele pediu para guardar segredo. 

Tinha medo de não acreditarem nela, de acharem que ela está inventando aquilo, talvez pensem que ela quer vingar-se de Patrick por ter roubado o lugar de seu pai ao casar-se com sua mãe. Sim, era bem possível que pensassem isso, os adultos nunca acreditam nas crianças. Ela mesma teria que fazer algo, mas ainda é uma menina e não consegue defender-se sozinha. Ela teria de esperar até que fosse grande, quando chegar a hora ela saberá o que fazer, sim, pois os adultos sempre sabem o que fazer.

Arabella estava deitada, totalmente coberta. Esperando a hora que o homem irá abrir a porta de seu quarto e fazer aquilo outra vez.

— Eu preciso de um plano, sim. Um plano executado somente por mim, para que não tenha erros; Patrick pagará bem caro pelo que está fazendo comigo...

Após passar um longo tempo amadurecendo essa ideia na cabeça, nutrindo dentro de si um perigoso desejo de vingança, ela adormeceu.

(Fim?) 

Ok, agora tente novamente, do fim ao início.

Posfácio: Caro leitor, essa história foi escrita de uma forma especial, podendo ser lida de duas maneiras; do jeito mais comum, seguindo a ordem cronológica dos capítulos, começando do início e indo até o fim; ou em ordem invertida, começando no último capítulo e terminando no primeiro.

É sobre uma mulher que foi vítima de abuso sexual ainda na infância, marcada pelos traumas do passado, ela vai tentar se vingar de seu abusador. História difícil de escrever, pois é um assunto bastante polêmico, se há algum erro em meu texto que possa ofender as mulheres, peço perdão. Esse conto foi inspirado na franquia "Doce vingança". 

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