Pedrinho sempre teve muitos pesadelos, principalmente quando estava no sítio de sua avó. As criaturas o visitavam em seus sonhos e o perturbavam até não poder mais.
O Saci era pertinente, e os pesadelos com ele eram assustadores, sim, mas nem de longe se comparavam aos pesadelos que ele tinha com a bruxa do sono: ela era terrivelmente maldosa, sua presença era anunciada pelo barulho de serpentes arrastando seus corpos no chão do quarto, e o uivar de lobos, que nunca estavam longe demais.
Mas o pior de tudo era seu beijo do sono, aquilo é mortal, e te faz dormir para sempre.
Mas naquela noite ele não sonhou com as criaturas do sítio, seu pesadelo foi com narizinho.
Ele a viu descendo a rua de sua casa a caminho de Cerro Branco, para encontrá-lo. A menina estava com uma mochila nas costas, carregando Emília.
Narizinho estava claramente assustada, sozinha e perdida. Ela sabia para onde tinha que ir, mas estava perdida, porque é assim que uma menina se sente quando está sozinha na cidade grande. As mulheres nunca estão seguras — a cidade é uma selva de pedra, e na selva o mais frágil é sempre o primeiro a morrer.
A rua onde Narizinho passava estava escura, vazia de vida e cheia de sombras e cantos escuros. Ela ficaria feliz de encontrar um rosto conhecido, alguém que a conhecesse e pudesse lhe fazer companhia. Mas se alguém aparecesse mesmo seu plano de fuga falharia, ela teria que se contentar com a solidão da noite, e a terrível sensação de estar sendo seguida por alguém.
Ela olhou em volta e não viu ninguém, apenas as sombras dos becos e vielas da rua.
Mas ela não estava sozinha, havia um homem enorme se escondendo na escuridão da noite, estranhamente próximo a Narizinho. Ele estava com um cigarro no canto da boca, e segurava algo metálico na mão esquerda, era um objeto que Pedrinho não reconheceu de imediato.
Narizinho passou pelo homem e não o enxergou. Pedrinho pensou ser estranho ela não ter visto ele, e passou pela sua cabeça que ele podia não ser um homem comum, Pedrinho conhecia uma criatura que podia se camuflar nas sombras da noite daquela forma: só podia ser a Bruxa do sono, ela se disfarçou de homem e estava atrás de Narizinho para devora-la.
O homem largou o cigarro no chão e foi na direção de Narizinho. O objeto em sua mão esquerda fez um barulho metálico, ele balançava aquilo de um lado para o outro como se fosse um brinquedo. Pedrinho finalmente reconheceu o que era aquilo.
Pedrinho: — Oh, meu Deus, ele está segurando um martelo!
Narizinho continuava andando, apertando o passo, mas sem perceber que o homem estava avançando em sua direção. Ele era enorme, mas não fazia nenhum barulho quando se movimentava, não fosse pelo martelo seria praticamente impossível detectar sua presença.
Pedrinho: — Ele atacará ela! Oh droga, a bruxa do sono matará Narizinho.
Aconteceu tudo muito rápido.
O homem estava a um passo de alcançar Narizinho; a menina sentiu a presença dele e se virou, ela já estava assustada, e naquele momento o horror a tomou por completo, ela ficou em choque; o martelo estava erguido no alto, o homem segurava com as duas mãos, e a lâmina brilhou a luz do luar…
Pedrinho: — deixe ela em paz, sua bruxa! Deixe ela em paz! — Pedrinho gritava, mas nenhum som saia de sua voz.
Pedrinho estava tremendo e soando muito.
Agora ele estava dormindo profundamente.
Inconscientemente ele tentava acordar, mas não estava conseguindo. A bruxa o visitou enquanto ele dormia, e estava fazendo ele ter uma severa paralisia do sono.
O Homem enorme desceu o martelo usando toda sua força e acertou em cheio o rosto de Narizinho; a menina caiu imediatamente, completamente zonza. Um filete de sangue descia por sua testa, enquanto um enorme hematoma se formava ali.
Ela deixou a mochila cair no chão. E Emília foi jogada na rua, com o rosto virado para as duas pessoas. Os olhos da boneca brilharam, faiscavam, ainda existia um filete de vida na boneca, não o suficiente para fazê-la falar, mas ainda tinha algo que a permitia observar o que acontecia em volta.
E ela observou tudo, ela viu com muita clareza quando o homem subiu novamente o martelo para acertar Narizinho, ela observou…
O martelo estava novamente no alto, agora manchado com o sangue da menina. O homem não falava nada, mas em seu rosto tinha uma expressão insana, assassina. Narizinho teve tempo de sentir medo dele. Mas estava tão atordoada que isso não teve qualquer importância.
Pedrinho estava consciente que aquilo era um pesadelo, mas isso não diminuiu seu horror, por um momento ele teve vontade de vomitar.
Narizinho pôs a mão no rosto, numa tentativa falha de se defender das marteladas, mas de nada adiantou, o martelo desceu novamente e a acertou em cheio, dessa vez foi fatal, a menina desmaiou.
Emília continuou observando — ela viu quando o homem deu a segunda martelada, a terceira, a quarta e a quinta. Perdeu a conta de quantas vezes aquele homem insano acertou o rosto de Narizinho.
Ela ficou desfigurada, seu rosto era um emaranhado de carne e sangue, não era mais o rosto de Narizinho, ela estava irreconhecível.
Pedrinho estava farto daquilo, ele se contorceu usando toda sua força, prendeu a respiração e revirou os olhos, tentando acabar de uma vez por todas com aquela paralisia do sono.
Finalmente seu cérebro se convenceu de que ele estava acordado, e Pedrinho despertou.
Não era a bruxa do sono, não podia ser; Pedrinho não estava no sítio de sua avó, estava na frente de sua casa esperando por Narizinho, portanto, ele estava bem longe do alcance da Cuca.
Foi tudo fruto de sua imaginação, ele ficou preocupado com Narizinho e imaginou tudo aquilo.
Pedrinho: — Ah, graças a Deus, nada daquilo foi real.
Uma mão delicada, feminina, tocou seu ombro, e Pedrinho tomou um susto dos diabos, ele pegou o estilingue da bolsa e rapidamente se levantou. Apontou o estilingue na direção da pessoa que tocara seu ombro — mas nem passou pela sua cabeça que na pressa, ele se esqueceu de pegar uma pedra, ele estava desarmado.
Mas a pedra não seria necessária.
Foi Narizinho quem tocou seu ombro, tentando chamar a atenção de Pedrinho, que parecia estar bastante distraído, mas que o normal.
Narizinho: — Que foi menino? Você parece assustado. O que deu em você?
Padrinho relaxou, foi correndo dar um abraço em Narizinho.
Pedrinho: — Ah! Narizinho, graças a Deus você chegou. Eu tive um pesadelo terrível com você… porque demorou tanto?
Narizinho: — Oh! Eu estava com medo de sair sozinha de casa. Então fiquei enrolando, mas pensei em Emília e no quanto queria ver ela falar novamente, então tomei coragem. E então, nós vamos ou não?
Padrinho nunca ficou tão aliviado em toda sua vida. Ele estava feliz em observar o rosto de Narizinho; lindo e delicado, como sempre foi e sempre será — não estava horrendo e desfigurado, como ficou após levar umas marteladas, em seu pesadelo.
Deu tudo certo, afinal.
Os dois pegaram suas mochilas e desceram a rua da casa de Pedrinho, em direção ao sítio do pica pau amarelo. Lá pode existir criaturas maldosas e fantásticas. Bruxas fadas e sereias, que querem te levar para o outro lado, e às vezes até conseguem.
Mas no sítio não tem homens que carregam martelos e atacam garotinhas no meio da noite. Narizinho não correria o risco de ser devorada por nenhum deles, Pedrinho ficou contente em levá-la para o único lugar do mundo onde sua prima estaria segura das garras dos homens.
Eles seguiram o caminho, descendo a rua de mãos dadas. Em busca do sítio da dona Benta, onde homens ruins não existem.
Onde a magia existe e acontece.
Postar um comentário
0Comentários