O Berço Primário – Conto

Tang
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1) A mãe de Denis, talvez, superprotetora até demais, havia deixado bem claro que ele não deveria entrar na piscina quando ela não estivesse por perto, pois, poderia ser perigoso. O menino é pequeno e não sabe nadar muito bem, o risco de afogar-se sem que ela veja era bastante alto, e não daria tempo de salvá-lo, o que seria uma verdadeira tragédia.

Denis tem apenas nove anos, o corpo ainda em processo de desenvolvimento, não tinha muita força nos braços e nas pernas magras, e nunca aprendeu a nadar. Mas sempre gostou muito de água; era uma lástima a piscina da casa ser grande demais para ele.

Mas isso não seria empecilho, claro, meninos nessa idade gostam de brincar com o perigo e provar para eles mesmos que não sentem medo de nada.

Sabendo dos riscos (mas abusando de sua inocência infantil) Denis ignorou os avisos de sua mãe e aproveitou que ela estava ocupada preparando o almoço para brincar um pouco na piscina; passou de fininho pelos corredores do quintal, enquanto seus tios estavam na churrasqueira (bebendo cerveja e curtindo a tarde de domingo), foi logo na direção da piscina, na pontinha dos pés, para ninguém ver o que ele estava fazendo. Ela ficava nos fundos da casa, onde ali havia algumas árvores e vários brinquedos, alguns eram de Denis, outros eram dos primos e primas dele, era uma família bem grande. 

Mas Denis não tinha tanta preocupação em ser pego fazendo essa "besteira", era um quintal enorme e a piscina ficava numa parte isolada do terreno, bem longe dos olhos de sua mãe. 

Olhou em volta para ver se tinha alguém por perto, na surdina; ficou tranquilo ao ver que não tinha ninguém. Aproveitou a rara oportunidade e foi logo tirando a camisa e os shorts. Ficou só de cueca. Nem mesmo experimentou a temperatura da água, deu um mergulho com vontade, mas sem fazer barulho, na parte rasa, para não se afogar.

2) Enquanto estava na parte rasa não houve grandes problemas, uma vez que a água não cobria todo seu corpo (por mais que já estivesse batendo em seu pescoço), para ele, foi divertido sentir a pressão da água tentando lhe carregar para baixo, e ele tentando sempre ficar na parte de cima, para conseguir respirar. Era desafiador, estava sempre dando pequenos pulinhos na piscina, sempre tomando cuidado para não tropeçar, pois se isso acontecer, as chances de afogar-se eram bem altas.

Ele deu uma risadinha infantil. Estava sorrindo, baixo, para a mãe não escutar.

Mas, de tanto dar aqueles pulinhos na piscina (para que a cabeça fique sempre emersa, fora d'água), uma câimbra começou a nascer em seu calcanhar esquerdo. No início, era uma dorzinha sem importância, ele mal reparou nela, mas, com o tempo ela foi crescendo e tomando conta de seu pé, até que ficou insuportável. 

Parecia que alguém estava espetando pequenas agulhas naquela região. Além de estar sentindo uma dor horrorosa ele estava começando a perder as forças que tinha nos pés, era difícil manter a cabeça fora d'água, estava complicado de respirar e mais complicado ainda era manter-se de pé na piscina, cada pulo que ele dava, era uma nova pontada de dor que começava pelos pés e subia até seus quadris, pois não era apenas a câimbra que o estava incomodando, também tinha a exaustão, que começou insignificante, mas que agora estava insuportável. Denis começou a ficar desesperado.

Ele tentou gritar, chamar por sua mãe e seus tios, mas tudo que saia de sua boca era um som abafado, anasalado, molhado, pois enquanto ele gritava, entrava muita água por sua garganta, o fazendo engasgar. Pela boca era impossível respirar, sobrou o nariz, que estava difícil, mas não impossível, ele ainda conseguia respirar um pouco. 

Mas havia o problema em seus pés, principalmente o esquerdo. Quando mais ele tentava pular ou ficar de pé, mais suas pernas ficavam cansadas, exaustas, e a câimbra que não tinha passado ainda só intensificava sua dor. Denis bateu os braços, as pernas, pulou e tentou gritar, mas nada dava resultado. Ele estava se afogando, e ninguém deu por sua falta, todos na casa estavam distraídos com suas tarefas.

Após ficar tanto tempo fazendo esforço, a exaustão tomou conta. Ele parou de lutar, pois estava sem forças. Por consequência, sua cabeça afundou nas águas e pela primeira vez, Denis mergulhou por completo.

3) Estava exausto, paralisado. Pensou que poderia ficar novamente de pé, mas o movimento o fez sentir novamente aquela dor torturante nos membros, era intensa e insuportável. Pois, somava-se a exaustão que ele estava sentindo, então não poderia depender de seus pés para submergir nas águas da piscina.

Ele rezou. Desejou que alguém viesse salvá-lo. Talvez, sua mãe, ou talvez um de seus tios. Alguém. Qualquer pessoa. Seus pulmões estavam começando a inchar, pedindo por oxigênio, a dor no peito agora era quase tão insuportável quanto a dor nos pés. Seus sentidos estavam começando a falhar, a visão da imensidão azul foi trocada por uma escuridão vermelha. 

De olhos fechados, sentindo uma dor aguda e constante, Denis esperava com anseio pela hora da morte.

4) O tempo passou, a vida lá fora continuava a mesma, mas a vida do menino, agora, era outra.

Ele estava encolhido em seu casulo, imerso sobre as águas. Numa posição fetal, frágil e infantil. Tudo estava escuro e seus pensamentos não eram mais tão assertivos quanto antes, agora, ele estava mais lento, mais puro e menos ativo.

5) O mundo é enorme e desconhecido, sendo ele tão pequeno ainda não pôde aproveitar tudo o que a vida podia lhe oferecer. Mas, sua formação estava em abundante desenvolvimento, mais algumas semanas e o menino veria a luz (novamente). Estava chateado, impaciente, cansado de esperar, cansado da eterna solidão que sentia naquele misterioso lugar; o casulo materno.

6) Ele esperou, em paz. Sentindo um misto de êxtase e perfeita solitude. Logo ele veria a luz; estaria finalmente liberto das águas que o estavam sufocando, naquele berço primário. 

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PS: Esse conto é sobre reencarnação. Não sei se isso ficou muito claro no texto.

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