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Post feito por Alissa:

Há anos, estudiosos têm examinado o dilema da ocupação planetária. O artigo intitulado “A Case Study On The Advancements In Mars Colonization”, discutiu as inúmeras implicações de uma possível colonização do Planeta Vermelho. No entanto, projetando um hipotético orbe habitável assemelhado à Terra, qual seria a estimativa de um único casal repovoá-lo? Quais seriam os desdobramentos de recursos, científicos e sociais que estariam envolvidos nesse processo? Neste texto, exploraremos esses tópicos e algumas das complexidades associadas a essa ideia.

Consanguinidade e Endogamia

A carência de variação genética emerge como uma barreira significativa quando um único casal é designado para repovoar um planeta. A diversidade genética, que implica variação nos genes de uma população, é crucial para a adaptação, evolução e resistência a doenças e alterações ambientais. Um único casal enfrentaria uma limitação acentuada na diversidade genética, transmitindo predominantemente seus próprios genes à descendência.

Esse cenário propicia um elevado risco de endogamia, suscitando possíveis defeitos genéticos prejudiciais, como fertilidade reduzida, maior suscetibilidade a infecções e anomalias físicas e mentais. Além disso, tais condições podem diminuir as perspectivas de sobrevivência e reprodução dos herdeiros, resultando em uma redução no tamanho e viabilidade da população.

A consanguinidade, caracterizada pelo acasalamento entre parentes próximos, agravaria ainda mais esses problemas, aumentando a probabilidade de ambos progenitores transmitirem as mesmas mutações recessivas à linhagem.

Uma pessoa média abriga entre uma e duas mutações recessivas letais em seu genoma. Essas mutações são geralmente mascaradas pelos alelos dominantes do outro genitor. Contudo, se os pais compartilharem a mesma mutação, há um risco de transmiti-la à prole, ocasionando em condições críticas de saúde ou mesmo óbito. A probabilidade de compartilhamento dessas mutações aumenta proporcionalmente à proximidade do parentesco entre os pais.

Número Possível

Para mitigar os efeitos adversos da endogamia e consanguinidade, uma população precisa manter um tamanho populacional efetivo mínimo. Diversas pesquisas têm buscado determinar o número um mínimo viável de pessoas para colonizar um novo planeta. Em 2002, John Moore, da University of Florida, sugeriu 160 indivíduos, considerando a necessidade de manter variabilidade genética e evitar problemas decorrentes da endogamia.

Um estudo publicado na “Nature: Scientific Reports” pelo professor do “Bordeaux Institut National Polytechnique”, Jean-Marc Salotti, sugere que a quantidade mínima seria de 110 pessoas. A avaliação considerou a utilização de recursos no local e as distintas estruturas sociais.

De acordo com o astrofísico Frédéric Marin, da University of Strasbourg, seriam necessárias 98 pessoas saudáveis para operar uma nave espacial ao longo de muitas gerações e estabelecer uma população não consanguínea em outro planeta.

Estas análises, embora fundamentadas em modelos matemáticos e simulações computacionais, estão circundadas de indefinições. Apesar disso, elas convergem para a vital preservação da diversidade genética e da saúde populacional, visando prevenir e sustentar comunidades robustas ao passar das eras.

Fatores Psicossociais

Uma adversidade relevante seria quanto aos aspectos sociais e culturais que influenciariam os comportamentos. Como enfrentariam o estresse psicológico de serem os últimos sobreviventes de sua espécie? Como guiariam a educação de seus filhos, considerando valores e normas para sua sociedade? E, diante de disputas entre si e seus descendentes, como lidariam?

Esses segmentos não são facilmente preditíveis, visto que são influenciados por ambiente, genes predecessores, antelação da díade e de sua descendência. Alguns cenários plausíveis podem ser conjecturados com base em exemplos históricos e antropológicos.

Em um primeiro exemplo, o casal tentaria preservar e transmitir sua cultura para seus filhos, criando uma sociedade coesa e cooperativa baseada em crenças e tradições compartilhadas. Ensinariam aos descendentes as habilidades e conhecimentos que possuem, incentivando-os a explorar e aprender mais sobre seu ambiente. Também incutiriam um senso de responsabilidade e cuidado pelo planeta e seus recursos.

Um segundo cenário, o cônjuge perderia gradualmente ou abandonaria sua cultura, adotando uma nova com base em suas necessidades de sobrevivência. Focariam nos aspectos práticos da vida, como encontrar comida, água e abrigo, e se proteger de predadores e desastres naturais. Desenvolveriam igualmente novos costumes e rituais para lidar com a incerteza e o isolamento de sua situação.

Uma terceira possibilidade é que o casal experimentaria conflitos e discordâncias sobre seus objetivos e valores, dividindo-se em dois ou mais grupos que competiriam ou cooperariam entre si. Formariam diferentes alianças e facções com base em seus interesses e preferências, desenvolvendo culturas e idiomas diferentes. Teriam ações diferentes em relação ao planeta e seus recursos, variando da exploração à conservação.

Crescimento Populacional

O crescimento populacional depende de taxa de fertilidade, taxa de mortalidade, proporção de sexos, estrutura etária da população, etc. Estimando que o cônjuge e sua prole tenham uma taxa de fertilidade normal de cerca de 2.5 filhos por mulher, uma taxa de mortalidade baixa de cerca de 10 mortes por 1000 pessoas, uma proporção de sexos igual (50/50) e uma estrutura etária que segue um modelo de população estável, levaria cerca de 12 gerações — ou 300 anos — para que sua população atingisse 1000 indivíduos. Isso pressupondo claro que não houvesse grandes catástrofes ou desastres que reduziriam seu tamanho populacional.

A expansão demográfica também está fortemente vinculado a Ecological Footprint, que é a quantidade de terra e recursos necessários para sustentar uma determinada população. Segundo a Global Footprint Network, a Ecological Footprint média de uma pessoa em 2016 foi de 2.7 hectares globais, o que significa que cada pessoa precisava de 2.7 hectares de terra produtiva e água para produzir os recursos que consumia e absorver o lixo que gerava.

Se uma família primogênita seguisse os mesmos padrões de estilo de vida demostrados dos dados de 2016, precisariam de cerca de 2.700 hectares de terra produtiva e água para sustentar sua população de 1.000 indivíduos, mas se adotassem um estilo de vida de consumo que hoje chamamos de sustentável, poderiam reduzir sua Ecological Footprint para cerca de 163 hectares por residente, ou 1.630 hectares para sua população de 1.000 pessoas. Isso estaria mais alinhado com a biocapacidade da Terra, permitindo que vivessem teoricamente dentro dos limites ecológicos do planeta.

Exceções

Houve casos em que pequenos grupos conseguiram crescer em número e superar as probabilidades matemáticas por trás da genética. Os huterianos da América do Norte é um exemplo, apesar de ter apenas 18 famílias fundadoras. Eles são uma comunidade isolada de anabatistas que se originou na Europa durante a Reforma Protestante no século XVI. Sofreram várias perseguições religiosas e migrações, até se estabelecerem nos Estados Unidos e no Canadá no século XIX. Hoje, eles somam mais de 50 mil habitantes.

Um estudo genético comparou os huterianos com a população do Sul do Tirol, Alemanha — de onde eles se originaram —, e encontrou que eles têm um background genético único, relacionado de forma similar a populações da Europa Central e Oriental. Uma análise de mistura genética indicou, porém, uma alta contribuição de populações da Região Central Europeia para o pool genético dos Hutteritas. Esses resultados são consistentes com os registros históricos das migrações e da história demográfica deles.

Pesquisas revelaram números similares de haplótipos do cromossomo Y e mitocondriais nos fundadores masculinos e femininos, respectivamente. Os pools genéticos masculino e feminino são similares em relação à diversidade genética e às medidas de distância genômica, e comparáveis em relação às suas origens, sugerindo uma história evolutiva similar.

Entre a Teoria e a Prática

A tarefa monumental de repovoar um pouco com apenas um casal é repleta de obstáculos. A cada nova geração, a população cresceria, porém, a diversidade genética seria limitada, desencadeando uma série de complicações. A luta constante pela adaptação ao ambiente se transformaria em uma batalha incessante, onde cada pequeno avanço seria um efêmero triunfo diante das esmagadoras probabilidades.

À medida que o tempo avançasse, a paisagem terrestre se metamorfosearia, dando origem a novas comunidades que, por sua vez, enfrentariam suas próprias batalhas. A sombra da incerteza pairaria de forma onipresente, e o sucesso — um conceito fugaz para essa realidade — permaneceria constantemente enredado na teia da dúvida, enquanto cada novo desafio se transformaria em uma ameaça iminente de fracasso inescapável.

No final, a viabilidade permanece envolta em nebulosidade. As variáveis são numerosas, os empecilhos são imensos. Essa ambiguidade, todavia, revela aspectos fundamentais da condição humana, sendo um lembrete de nossa fragilidade — assim como nossa resiliência e habilidade em enfrentar o desconhecido. Embora, em teoria, a perspectiva pareça existir, os inerentes riscos e dificuldades relegam essa possibilidade a uma improbabilidade considerável, na prática.

Referências

1. Salotti, J.-M. (2020) Minimum Number of Settlers for Survival on Another Planet, Scientific Reports.

2. Mach, N. (2018) How many humans would it take to keep our species alive? One scientist’s surprising answer, NBC News.

3. Swaminathan, A., Malhotra, V. (2021) A case study on the advancements in Mars colonization.

4. Global Footprint Network (2019) Humanity’s Ecological Footprint contracted between 2014-2016.

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