Desde os primórdios da televisão brasileira, Manoel Carlos demonstra muita sensibilidade ao tratar de temas espinhosos em suas novelas. O autor sempre defendeu a mulher em suas tramas, dando prioridade aos assuntos que cercam a sensibilidade feminina, com grande maestria e responsabilidade.
Em Mulheres Apaixonadas não foi diferente. Aqui nós temos uma trama urbana, situada na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamentenos bairros do Leblon, Ipanema, Bairro da Tijuca e Copacabana. A novela veio após uma trinca de grandes sucessos do autor, portanto a expectativa do público estava lá em cima, ainda mais que, no ano anterior a Rede Globo levava ao ar uma de suas novelas mais problemáticas do horário nobre. ''Esperança'' sofreu de baixíssima audiência, houve também muita rejeição de grande parte do público, essa novela deu muita dor de cabeça para a dona Globo.
Sendo o próximo da fila, Manoel Carlos tinha uma grande responsabilidade em mãos. Sua missão era reerguer o horário nobre. Mesmo com toda essa expectativa, posso dizer que ele não deixou a desejar.
Enredo:
A personagem central é Helena, uma mulher que, ao encontrar um antigo amor da adolescência, decide jogar tudo pro alto para viver uma nova paixão. Decisão tardia, pois ela já tem certa idade, é mãe e está completando 15 anos de casada. Téo, seu marido, desde o início demonstra certa ingenuidade em relação aos desejos proibidos da esposa, com muita relutância, ele estava decidido em não apoiar a decisão de Helena, ele desejava manter a família unida, portanto, divorcio estava fora de cogitação.
Téo, já a muitos anos, mantêm uma relação extra conjugal com uma garota de programa. Acontece que, a infidelidade do marido não teve influência na repentina decisão de Helena, ela até então, não sabia que estava sendo traída.
Os dois vivem uma relação de monotonia, o relacionamento foi se deteriorando gradualmente e o que resta agora é um casamento apático, sem a menor emoção. Existe amor, mas aquela paixão de tirar o folego acabou-se há muito tempo. Num dos primeiros diálogos da novela, Helena diz que sente falta até daquelas brigas de casal que sempre resultam em tapas na cara, chutes e rasgões, ela diz: ''- tenho saudades de dar e receber uns bons tapas!''. Essa fala é considerada problemática por muitos, alguns associam esse dialogo com a violência contra a mulher. Mas, diferente dos demais, eu entendo muito bem o que ela quis dizer: essas brigas de casal mesmo que problemáticas, sempre acabam em sexo intenso e alucinado, começa com uma briga feia, mas acaba numa linda noite de amor. É isso que está faltando em seu casamento. A personagem se sente infeliz, amargurada. A mensagem que o autor tentou passar foi clara e direta: você não é uma mulher apaixonada, se não está vivendo uma grande paixão!
As paixões de helena:
Neste cenário sufocante, nós temos um casamento falido, um marido infiel e uma mulher apaixonada e infeliz. A inconsequente Helena resolve então acabar com um casamento de longa data porque queria embarcar numa nova aventura: começar do zero com outra pessoa, seu maior desejo era viver um novo amor, mesmo que isso custe a deterioração de sua família.
Helena era uma protagonista diferente em muitos aspectos: as protagonistas costumam ser bondosas ao extremo, sempre com atitudes sensatas e altruístas, demonstrando mansidão e plenitude, mesmo sofrendo inúmeras injustiças... Em Mulheres Apaixonadas nós vemos o oposto disso. A personagem principal era egoísta, tinha pavio curto, corria atrás de seus objetivos como uma criança corre atrás de um brinquedo, tudo era valido em nome dos próprios interesses. Não estou dizendo que a personagem era uma pessoa ruim, longe disso, Helena era uma mulher de muito caráter. Mas diferente das outras protagonistas insossas, ela não abre mão da própria felicidade por nada nesse mundo, as suas paixões vêm em primeiro lugar, sempre.
Falo com todas as letras, essa protagonista era humana, tinha atitudes questionáveis, às vezes, muito erradas, teve seus momentos de egoísmo como qualquer pessoa normal. Manoel Carlos teve a sensibilidade de criar uma mulher forte e real para defender a sua ''Mulheres Apaixonadas'', isso ele fez com muita competência. (menção honrosa a Christiane Torloni, que defendeu Helena com muita garra!)
Pontos negativos:
Afinal de contas, a quem pertencia o protagonismo?
Helena foi ofuscada pelas tramas secundárias da novela. Manoel Carlos investiu pesado em ''merchandisings sociais'', essas histórias tomaram conta da novela e o imaginário do público foi longe. Os dilemas de Helena se tornaram pequenos perto do que as outras mulheres da novela enfrentavam.
As personagens estavam em conflito todo o tempo. Eram problemas reais, e em alguns momentos elas se viam até mesmo entre a vida e a morte. De protagonista, Helena passou a ser coadjuvante, em alguns momentos ela quase não tinha presença na trama, chegando a aparecer uma ou duas vezes por capítulo (quando aparecia).
Lentidão ou construção da narrativa?
Alguns autores costumam investir pesado nos primeiros capítulos da novela, enchem a novela de acontecimentos marcantes para que o público fique vidrado em frente a televisão esperando as cenas dos próximos capítulos: o autor é como um pescador, os primeiros acontecimentos da novela é a isca, e o público é o peixe.
Mas como Manoel Carlos não é qualquer autor, ele faz justamente o contrário, suas novelas costumam ter uma longa introdução de tramas e subtramas, focadas apenas nos diálogos dos personagens, nos encontros e desencontros da vida, e longas festas e reuniões que os personagens promovem para reencontrar os amigos (sempre com muito barraco, claro).
Em ''Mulheres Apaixonadas'', os primeiros capítulos são focados no casamento de Marina e Diogo, são quatro capítulos ao todo: uma grande festa que reuniu todos os personagens num único cenário, desse modo o autor pode apresentar todos os personagens e seus conflitos mais íntimos. Aqui não tivemos lentidão, a festa está recheada de cenas marcantes, maneco soube apresentar suas mulheres em grande estilo. Mas, porque estou apresentando essa característica como ponto negativo?
Nem só de bons diálogos se fazem uma novela, o público estranhou a demora do casamento, muitos acreditavam que o casamento precisava acabarpara que a novela começasse de verdade, as personagens voltariam para suas casas e assim começariam os conflitos de verdade.
Em partes, digo que o público teve certa razão, praticamente quatro capítulos focados em uma festa de casamento cansou mesmo, mas nesse meio tempo nós tivemos traição, relação incestuosa entre primos, interesses amorosos e Strip Tease, fora os inúmeros conflitos internos que aqui foram apresentados. Conflitos que fizeram dessa novela um grande sucesso.
Não confunda lentidão com construção narrativa!
Pontos positivos:
É uma novela de Manoel Carlos
Após uma trinca de grandes sucessos (História de Amor, Por Amor e Laços de Família) a nova novela do autor estava sendo muito aguardada pelos fãs. Longe de prometer inovação, Maneco pegou tudo que tinha dado certo em suas novelas anteriores (e um pouco mais), e nos apresentou sua enigmática nova novela das nove.
''Você também vai se apaixonar'', assim estava sendo anunciada ''Mulheres Apaixonadas'' novela que viria ser um dos maiores sucesso da emissora em horário nobre.
Abertura inesquecível:
A novela teve quinze aberturas diferentes, sempre mostrando fotos que alguns telespectadores mandavam para a emissora na época. Com diferentes tons de azul, as mulheres apareciam no centro, em destaque, enquanto os homens apareciam embaçados.
O tema de abertura era um grande clássico de Tom Jobim, ''Pela Luz dos olhos Teus'' voltou a fazer parte do dia a dia do brasileiro. A letra romântica, com grande peso poético, fez muito sucesso e ajudou a fazer dessa abertura uma das melhores já feitas.
Ótimo elenco:
Muito comum nas novelas do autor, aqui nós temos um elenco numeroso, repleto de veteranos da casa, nomes como Christiane Torloni, José Mayer, Tony Ramos, Susana Vieira, Giulia Gam, Marcello Antony, Helena Ranaldi e Dan Stulbach brilharam na novela, eles defenderam grandes personagens. Maneco teve o cuidado de dar o merecido destaque que todos eles merecem. (menção honrosa aos coadjuvantes que não fizeram por menos!)
merchandisings sociais:
Lorena e suas paixões
A personagem viveu um bom casamento ao lado de Rafael, com quem teve dois filhos. Agora que está separada quer viver uma nova paixão. Logo ela se vê apaixonada por Expedito, homem bem mais jovem que ela. Aqui nós temos uma discussão interessante, vemos uma mulher namorando um homem que tem idade para ser filho dela e não demora para que os dois começam a enfrentar inúmeros conflitos: a mãe de Expedito não aprova esse relacionamento, e vive por fazer a cabeça do filho contra essa relação, como desgraça pouca é bobagem, a ex nora de Lorena vive dando em cima de seu novo namorado, concorrência desleal. Já que Marina é jovem e muito bonita. Apesar dos pesares, Lorena decide enfrentar todas essas dificuldades para viver esse amor.
A crueldade de Dóris:
Um dos núcleos mais emocionantes da novela. Aqui vamos acompanhar a história de dois aposentados, Flora e Leopoldo, que vivem com o filho e a esposa num pequeno apartamento, juntamente com seus dois netos, Carlinhos e Dóris. Carlinhos gosta de viver com os avós, diferente da irmã, que os despreza e acredita que os dois deveriam estar num asilo para idosos. Aqui Maneco levantou uma bandeira em defesa do idoso, de maneira muito competente.
Dóris frequentemente maltratava os avós, as cenas eram de partir o coração, a personagem que não tinham paciência para os problemas de gente velha, vivia humilhando os dois. Numa dessas cenas de agressão, Dóris até empurra o avô Leopoldo, que o faz cair no chão.
Quando Carlão, pai de Dóris, ficou sabendo dessas agressões, deu um bom corretivo na filha, numa cena incrível que lavou a alma do público. Em outro episódio ele até a expulsou de casa, mas nada disso fez com que filha tivesse mais empatia pelos avós.
A obsessão de Heloísa:
A personagem Heloísa tinha paixão obsessiva pelo marido, Sérgio, que era constantemente assediado pelas mulheres da novela. O ciúmes ficou ainda pior quando Vidinha começa a demonstrar interesse por Sérgio, Heloísa logo percebeu o que estava rolando entre os dois e foi ficando cada vez mais maluca e insuportável.
Heloísa esconde de Sérgio que não pode ter filhos, ela fez uma laqueadura, pois não iria suportar dividir as atenções do marido com uma criança. Esse foi só mais um dos inúmeros episódios de loucura da personagem: Heloísa chegou a picotar as roupas de Sérgio, fez inúmeros escândalos e até o feriu com uma faca numa das discussões explosivas do casal.
O câncer de Hilda:
A personagem é feliz e realizada em seu casamento, até que descobre um cancer de mama que veio para abalar sua felicidade.
O drama de Raquel:
A personagem foi apresentada como uma professora de educação física, que veio de São Paulo atrás de trabalho. Ela consegue emprego na escola onde Helena é diretora, e já em seu primeiro dia de trabalho conhece Fred, seu aluno, ainda menor de idade, que viria a ter um relacionamento amoroso mais para frente.
Raquel veio para o Rio de Janeiro, porque estava fugindo de Marcos, seu ex marido, que a agredia constantemente. O marido violento aparece em determinado momento da novela para infernizar a vida da professora, que a essa altura já está se relacionando com o menino Fred. Quando Marcos percebe o que está rolando entre os dois, ele passa a ficar ainda mais violento, numa dessas cenas de violência ele agrediu Raquel com uma raquete de tênis. Cena antológica que ficou na memória do público durante muito tempo.
Raquel foi muitas vezes aconselhada por Helena para denunciar as agressões do marido a polícia, mas, como toda mulher que sofre violência domestica, ela estava relutante. O estopim na vida da professora foi quando Marcos a agride pela segunda vez com a raquete de tênis, dessa vez com mais força e violência, ele a deixou com diversas feridas pelo corpo. Finalmente a personagem tomou a decisão de denunciar o marido. Maneco abordou a violência contra a mulher com muita competência.
O amor de Clara e Rafaela:
Um dos muitos casais que deram certo nessa novela, Clara e Rafaela esbanjavam química para o público. O casal teve muita torcida. Às duas começam um relacionamento já no início da novela e continuam assim até o final. Maneco nos mostrou como funciona a homofobia nas escolas, às duas eram constantemente importunadas com os comentários maldosos dos colegas, principalmente os ataques homofóbicos de Paulinha, que era sempre muito cruel quando se referia as colegas de classe usando termos pejorativos e preconceituosos. Não foram poucas as brigas na escola, ninguém nesse núcleo gostava de levar desaforo pra casa.
Os vícios de Santana:
Santana, acima de qualquer coisa era uma personagem divertida, acredito que graças a atuação da Vera Holtz. Ela tinha compulsão pela bebida alcoólica, uma situação delicada para uma professora, afinal ela precisava manter a postura perante os alunos. Nesse quesito ela falhou miseravelmente, não foram poucas às vezes que ela ficou de porre na frente dos alunos, fez escândalos e passou vergonha. Chegou a esconder cachaça no vidro de perfume para enganar a amiga, que vivia no pé dela para ela parar de beber.
Todas essas campanhas deram muito certo. Não conheço outra novela que fez algo semelhante a isso!
Considerações finais:
Mulheres Apaixonadas não foi só uma novela, foi um acontecimento!
Quase tudo que eu tinha a dizer sobre essa trama, foi dito nessa resenha. Digo ''quase'', pois faltaram muitos detalhes da novela que não citei aqui. Procurei falar sobre as coisas que mais chamaram minha atenção quando a assisti no ano passado. Pretendo assisti-la novamente muito em breve! Pode ser que eu faça outro relato, mais atualizado e com mais detalhes! Dito isso, encerro aqui essa resenha, agradeço a todos que leram até aqui.
Essa foi a primeira resenha da minha vida, se tiver algum erro grave, me perdoe!
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