Publicado no ano de 1987, posso dizer que esse romance foi um sucesso imensurável ainda em seu ano de publicação e mesmo na época já podia ser considerado um grande clássico do autor Stephen King, que perdura até hoje — recebendo uma excelente adaptação cinematográfica que rendeu a atriz Kathy Bates um Oscar por sua interpretação visceral de Annie Wilkes (Louca obsessão, 1990) e também servindo de inspiração a inúmeras peças de teatro ao redor do mundo, incluindo o Brasil. Podemos dizer que essa história é poderosa em sua totalidade, e, por que não dizer que se trata de um verdadeiro fenômeno editorial de sua época?
A história do escritor que se vê preso na casa de uma enfermeira louca que também se diz ''sua fã numero um'' tornou-se palco para as mais diversas reflexões e analogias referentes aos vícios e as fraquezas desse personagem que podemos dizer, trata-se de um alter-ego do próprio autor. O acidente deu-se após Paul Sheldon decidir dirigir perdidamente durante uma tempestade de neve após concluir seu mais novo romance — esse que não era mais uma das histórias da série ''Misery'' — mas sim algo que Paul considera efetivamente bom, um manuscrito que representa aquilo que ele queria escrever de verdade, diferente dos melodramas do seculo XIX que fazem o maior sucesso entre senhoras de meia-idade, mas que nunca agradaram Paul e seu ego de escritor. Sucedeu-se que, ao capotar seu veículo e entrar em uma espécie de ''coma'' causado pela intensa dor nas pernas, Paul teve a ''sorte'' de ser resgatado por Annie Wilkes, uma enfermeira aposentada, que por coincidência (ou não) também é sua fã numero um.
Emergindo da névoa que representa seu estado de sono profundo, Paul percebeu estar metido em uma ''enrascada dos diabos'' ao concluir que sua cuidadora era completamente maluca. Ela é a responsável por dar-lhe as drogas que traziam alivio a suas dores, mas também é a responsável por aplicar-lhe os mais severos castigos quando as coisas não saem como Annie espera e exige — a exemplo do episódio que, ao descobrir que sua personagem favorita Misery faleceu, Annie obriga Paul a escrever um novo romance, ressuscitando-a de imediado. Ou quando Annie o faz queimar seu novo manuscrito por conter muitos palavrões. É quando descobrimos que Annie, por alguma razão, detesta palavrões.
Deve ser a quarta ou quinta vez que leio esse livro. Posso dizer que amo esse texto tanto quanto amo quem o escreveu. Talvez eu tenha alguns traços de Annie Wilkes dentro de mim (King que se cuide 😁), mas a verdade é que esse romance representa para mim uma excelente aula de escrita criativa como também um ótimo ensaio sobre a construção de um bom personagem. Nesse caso, uma boa vilã. Annie é tão carismática quanto perversa, é fascinante a forma como vamos descobrimos aos poucos o quanto ela pode ser perigosa e imprevisível. Mesmo dopado de tantos remédios, Paul não demora a perceber que ela não bate muito bem das bolas, tendo episódios severos de catatonia, que se apresenta por meio de apagões repentinos, como também estar sempre dispersa referente ao tempo, hora, data e lugar que se dão os fatos, Annie está completamente perdida dentro de si; o mundo externo tornou-se indiferente quando ela passou a enxergar a vida à sua própria maneira. Realidade e fantasia se misturam com frequência e ela já não sabe mais distinguir uma da outra, vemos isso quando o mundo de Annie desabou após ela descobrir que a personagem fictícia Misery faleceu, mas ela jamais deu a menor importância para as pessoas que ela matou no passado quando ainda era enfermeira (e acredite, foram muitos convalescentes que tiveram seu tempo de vida encurtado graças ela); vemos também variações de humor, passando da tristeza para a fúria em questão de segundos, como também episódios de melancolia e depressão profunda. Essas são as mais graves.
De todas as facetas perturbadoras de Annie, aquela que me traz mais agonia é a ideia de existir um ''cantinho feliz'' (que provavelmente é uma cabana velha, isolada pela neve, em algum lugar de Sidewinder) aonde ela vai em busca de refúgio quando tem esses surtos inesperados de psicose.
É divertido a forma que vamos descobrindo junto com o Paul como funciona a mente de Annie Wilkes. Lembrando que estamos falando de um romance cuja narrativa é focada na interação de somente dois personagens, presos em uma cabana.