"O olho vê somente o que a mente está preparada para compreender."
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Após ter um dia longo de muito trabalho na fazenda, Rendall estava exausto, tão cansado que mal podia pensar. Tomou seu banho e agora se preparava para dormir.
Ele colocou a moeda na mesinha de madeira, ao lado de sua cama. O Olho estava virado para baixo, pois Rendall não gostava de ficar olhando para ele durante muito tempo – e, no fundo, ele não queria que o Olho o observasse durante sua noite de sono. Era uma loucura ter esse pensamento, mas Rendall sentiu veracidade naquilo. O Olho o assustava, sem a menor sombra de dúvidas.
Naquela tarde, após encontrar a moeda, ele fez um pedido, pois assim dizia a frase no lado esquerdo da moeda;
"Faça seu pedido, mas tome cuidado com o lado oposto!"
Não havia sido nada de mais, ele pediu dinheiro, para poder fazer uma reforma completa na fazenda.
Dinheiro! Aquilo que todo homem deseja.
Ele não achou que teria seu pedido atendido, claro, aquilo não passava de uma moeda comum – feita de ouro, e com um olho desenhado no lado oposto – mas ainda era só uma moeda.
Deitou-se na cama, estava realmente exausto. Ficou um bom tempo observando tudo a sua volta, contemplando a noite. No interior, tudo fica mais vivido, os vagalumes cantam lá fora, pela janela pode-se observar uma inquietante escuridão, pois não havia muita iluminação na fazenda, o cheiro era de mato e madeira velha, de certa forma era muito agradável.
Rendall foi ficando com sono. Os olhos se fecharam lentamente, após alguns minutos, ele adormeceu.
Abertura;
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Naquela noite ele teve muitos pesadelos.
Rendall não era homem de sonhar muito, na verdade, raramente sonhava. Talvez por isso aquelas visões terríveis o assustaram tanto.
Começou sendo um sonho relativamente normal. Era dia, Rendall estava de pé na cozinha da casa, nú, esquentando água para fazer café. Sua nudez não o assuntou muito, pois ele sabe que é normal isso acontecer nos sonhos das pessoas, com certa frequência, não é uma surpresa.
As coisas começaram a ficar estranhas quando o dia escureceu, o cheiro de podridão e gente velha da casa ficou mais intenso, e havia uma eletricidade no ar. Ele observou pela janela que o céu não era mais azul, tinha um tom de vermelho vivo, muito forte.
O sol, agora era uma moeda dourada, e no centro havia uma enorme olho com a íris vermelha, O Olho estava se movendo, parecia procurar por algo o Alguém. Sim, O Olho enorme no céu estava procurando por ele, movia-se de pressa, olhando para todos os lados.
Antes que O Olho o encontrasse, Rendall fechou rapidamente as janelas da cozinha. Estava com muito medo.
Nuvens negras estavam cobrindo tudo, uma forte tempestade estava chegando.
Lá fora, tudo tinha ficado vermelho, e as nuvens negras agora tomavam conta do céu, parecia o fim do mundo. O Olho era o responsável por aquilo, O Olho da moeda estava causando aquela insanidade. Rendall podia sentir que aquela coisa ainda o procurava. Ele se perguntou o que aconteceria quando O Olho o encontrasse.
O sonho era muito real. Ele podia sentir o medo, e principalmente o calor que irradiava do sol-moeda, a casa estava ficando quente, parecia que ia pegar fogo.
Começou a chover. Mas não estava chovendo água, aquilo era enxofre, queimava sua casinha de madeira rapidamente. As paredes começaram a derreter; o teto sumiu em questão de segundos; e a fumaça tomou conta de tudo, Rendall mal podia respirar. Ele pensou em correr para longe da fazenda, mas não podia fazer isso, O Olho estava no céu esperando ele sair – O Olho mandou aquela chuva ácida para obriga-lo a sair.
A casinha não existe mais, foi completamente destruída pela chuva. Rendall estava parado entre os escombros, parecia uma criança assustada. O Olho finalmente o encontrou.
– O que você quer de mim, afinal? – ele gritou, estava com muito medo – não pode me deixar em paz?
O Olho, que agora olhava fixamente para ele, falou em sua mente numa voz firme, metálica e muito grave – voz de moeda;
– Você deveria ter tomado cuidado.. eu sou o lado oposto, e estou aqui para realizar seu desejo!
– Eu desejei poder consertar minha casa. Eu desejei ter uma fazenda grande, com muitos animais que me dê bons frutos. Eu não pedi para que você a destruísse! – Rendall disse, tentando olhar para cima, mas não conseguia, O Olho brilhava muito. Ele é o sol. A moeda.
O Olho virou-se para contemplar a fazenda de Rendall, estava completamente destruída, mais do que antes, lá de cima ele tem uma boa visão de todo o terreno.
– Se é isso que você deseja, então que assim seja! – Disse O Olho.
O Olho piscou e desapareceu do céu, fazendo um enorme barulho metálico que fez os dentes de Rendall vibrarem dolorosamente. Uma onda de medo e calor o atingiu e ele finalmente acordou.
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Ele despertou. Mas não completamente, a visão turva estava fazendo ele enxergar coisas que não existem. As paredes da casa parecia estar se desfazendo, como em seu sonho, e ele podia jurar que estava vendo fumaça brotar das janelas.
Rendall esperou alguns segundos, tentou se recuperar do pesadelo. Aquilo havia sido muito assustador, de fato, ele estava apavorado.
Foi apenas um sonho. Só um sonho.
Olhou para a moeda, que ainda estava jogada na mesinha, e percebeu – levando um tremendo choque – que O Olho não estava mais virado para baixo, estava para cima, levemente inclinado para seu lado da cama. Parecia observar Rendall.
Ele levantou-se da cama num pulo, e deu um forte tapa na moeda, que caiu bem longe, num canto escuro e isolado do quarto.
Não sabia o que pensar. Estava com medo. Quando foi dormir não achava que fosse acontecer qualquer coisa, mas agora tinha medo até de sua própria sombra. – Tem algo de errado com essa moeda, – pensou Rendall, olhando para aquele canto escuro do quarto, a moeda brilhava bastante – Tem algo de muito errado.
Ele estava muito suado, precisava tomar outro banho. Sim, um banho seria bom, o ajudaria a clarear as ideias. Rendall sentiu que podia estar ficando maluco, achou que sim.
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Ele saiu do quarto e foi caminhando até o banheiro, que ficava no cômodo ao lado.
Estava pensando no que havia desejado a moeda, – Dinheiro, para poder consertar minha fazenda.
E O Olho, em seu sonho, deu a entender que iria realizar esse desejo, não foi?
Mas ele teria de pagar um preço? Rendall achou que sim. O Olho o assustava, é perigoso; ele pode invadir os sonhos, e se de fato aquilo for real, Rendall achou que tinha se metido numa confusão dos diabos.
Ele entrou no banheiro e ligou o chuveiro. Tomar banho sempre o relaxa. Sentiu a água morna caindo em seu corpo e o limpando por completo. Agora ele estava ficando mais tranquilo.
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Enquanto isso, no canto escuro do quarto, a moeda se moveu. De início, foi apenas um tremor, uma reação magnética, muito semelhante quando um ímã entra em contato com o metal. Mas, logo depois, ela saltou do chão e ficou de pé, na vertical.
O Olho, que parecia ter vida própria, estava olhando para frente, e foi naquela direção que a moeda se moveu, rolando lentamente, ela faz um som metálico quando se move.
Foi rolando para fora do quarto. Virou-se na direção do banheiro, e continuou seguindo caminho.
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Rendall estava com a cabeça cheia, muitos pensamentos desconexos, coisas que o assustavam. O banho ajudou a relaxar, mas não completamente.
Ele pensou no avô, Gilberto Clark, o velho havia morria de câncer, um tipo raro que afeta o olho – O Olho –, imaginou se o avô não teria encontrado a moeda; se não teria feito um pedido a ela. E o câncer? Provavelmente foi seu castigo, o preço que ele teve de pagar.
Imaginou se o avô não teria ido até o poço; aberto a pesada tampa de madeira e jogado a moeda lá dentro, para evitar que outra pessoa a encontre.
— Devia ter escolhido um esconderijo melhor. Eu a encontrei, vovô — ele disse, sentindo um pequeno frio na barriga.
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A moeda continua seguindo na direção do banheiro, lentamente, para que Rendall não perceba sua presença.
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Lá fora, na escuridão da noite, algo emergiu das águas do poço, era uma assombração humanoide. O corpo estava completamente apodrecido, pois, era o corpo de um cadáver. Se parecia com o avô de Rendall, Gilberto Clark, mas não era ele, e sim uma imitação macabra de sua aparência, um pesadelo, uma ilusão criada pelo Olho.
Ele foi subindo as paredes do poço, escalando com incrível força. Quando chegou ao topo ele retirou a pesada tampa de madeira e saiu.
O Olho o convidou, disse para ele fazer uma visita para Rendall. Era outro pesadelo, mas esse consegue ser ainda mais perigoso, pois é um pesadelo da vida real.
Ele foi seguindo caminho até a casinha da fazenda. A passos largos, mas cambaleando muito, pois o cadáver não tem muita força nos membros.
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Rendall ainda tomava seu banho, e não viu quando a moeda parou bem na porta do banheiro, O Olho virado na sua direção, o observava com intenso ódio.
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"Há mais perigo em teus olhos do que em vinte espadas!"
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